Ouvir passar o vento

Hoje faz um lindo dia de sol em São Paulo. Há um vento suave lá fora e posso ver as árvores balançando mansamente pela janela. Em menor quantidade nas ruas, os carros fazem pouco barulho, um suave burburinho sem importância. Ainda estamos na maior cidade da América Latina, cheia de carros, cheia de gente indo e vindo, mas sinto como se estivéssemos em outro lugar. O nosso lugar.

Na semana passada, tivemos um feriado prolongado cheio de passeios e atividades. Queríamos aproveitar os dias livres do feriado, aproveitar que não havia fisioterapia nem médicos, descansar e nos divertir. Fizemos muitos passeios agradáveis e encontramos amigos queridos. Foi muito bom para a Vitória estar em ambientes diferentes, receber novos estímulos, mas após quatro dias saindo da rotina, no domingo à tarde ela estava bem cansada. Depois, tivemos uma semana cheia de consultas e muito cansativa, com compromissos todos os dias.

Não é exatamente o que eu desejo proporcionar a ela, mas estamos em busca dos melhores lugares para que ela faça terapias e recebamos orientações. Estamos em busca de uma rotina ideal, em busca de equilíbrio entre estímulos e descanso, entre abraçar certas oportunidades e abrir mão de outras. Este processo acaba se tornando as vezes desgastante.

Tudo que eu queria hoje era deixá-la descansar e lhe proporcionar momentos tranquilos e felizes.

De madrugada ela acordou chorando. Havia feito cocô, e também estava com frio. A levamos para dormir conosco, o que ela adora, e todos dormimos um pouquinho mais pela manhã. Ela tomou uma vitamina gostosa de mamão com maçã. Passeamos um pouco no sol, depois ela ficou no meu colo, fizemos um pouco de alogamentos enquanto conversávamos, eu e a vovó, sobre a semana. Ela dormiu um soninho gostoso e então a acordei para almoçar. Com bom apetite, ela comeu quase todo o potinho da papinha que havia preparado com legumes, carne e quinua. Depois comeu uma sobremesa de frutas que adorou e ficou mais um tempinho no nosso colo. Chorava toda vez que tentávamos colocá-la no carrinho. Finalmente aceitou sair do colo e dormiu.

À tardinha saímos para passear no sol mais uma vez. Lá pelas quatro e meia da tarde, o sol já estava baixo e fraco. Como estamos cercados de prédios e muros, em muitos pontos do condomínio já não havia sol. Demos apenas uma volta, depois parei seu carrinho numa área em que ainda batia um solzinho gostoso. Me agachei ao seu lado enquanto ela dormia sentadinha. Acariciei seu rosto branquinho e macio, segurei suas mãozinhas, olhei para o céu profundamente azul. Ficamos ali alguns minutos sentindo a luz do sol, o vento suave batendo no rosto e ouvindo o burburinho dos carros. Lembrei de um poema de Fernando Pessoa, eis um pequeno trecho:

A espantosa realidade das cousas

É a minha descoberta de todos os dias.

Cada cousa é o que é,

E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,

E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

...

Outras vezes oiço passar o vento,

E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Agradeci a Deus pela sua vida. Muito obrigada, Pai, por ter deixado ela ficar. Muito obrigada por ela estar bem, com saúde, por estar aqui conosco há tanto tempo. Por favor, abençoe sua vida, seu crescimento, que ela se desenvolva, que ela seja feliz. Aquele céu azul, aquele sol fraco, o vento soprando, me faziam lembrar que estamos num planeta, num pequeno planeta do universo. Deve haver tantas coisas mais além daqui, além deste pequeno planeta tão lindo, agradável, mas também tão doente. Num mês ficamos comovidos vendo terremotos e tsunamis no outro lado do mundo, nos apavoramos com guerras sem sentido no outro canto, choramos vendo estudantes inocentes sendo assassinados aqui perto, e depois ficamos deslumbrados com um casamento de príncipes, tão distantes da nossa realidade. É um mundo tão grande e ao mesmo tempo tão pequeno.

Já em casa, brincamos mais um pouco, fizemos exercícios, ela tomou um suco de laranja com lima e dormiu novamente. Um pouco mais tarde jantou bem sua papinha com aipim, feijão, beterraba e outros legumes (uma de suas preferidas), tomou banho e dormiu rapidamente no berço.

Podemos ser felizes com coisas simples. Hoje, passar um dia agradável com a minha filha, vê-la bem, comendo com gosto, dormindo tranquila, pedindo nosso colo, querendo estar perto de nós, isso me fez muito feliz.