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Mas eu sou como uma oliveira que floresce na casa de Deus; confio no amor de
Deus para todo o sempre. Salmo 52:8

sábado, 16 de março de 2013

A história de um quadrinho e a breve história de uma vida



Olá queridos amigos! Achei este post que estava parado e esquecido desde algum mês incerto do ano passado, nos rascunhos do blog. Acho que na época não soube bem como concluir. Hoje reli, gostei e decidi terminar estas reflexões e dividir com vocês. No fundo é a mesma história de sempre, a nossa história, (afinal qual mais seria?), mas tão boa de lembrar, contar, agradecer e reaprender.

Não tenho nenhuma citação para dividir hoje aqui, entre as fotos, somente gostaria de agradecer muito cada 
comentário aqui deixado, todos sempre me emocionam e alegram, e  fico muito feliz quando abro o blog e vejo que alguém deixou um recadinho mesmo não havendo novas postagens. Muito obrigada! Fiquem com Deus e ótimo final de semana!




Antes de nossa amada Vivi nascer eu pintei um quadrinho para ela, com seu nome, para colocar na porta do quarto da maternidade. Na verdade, ela nunca entrou por aquele quarto para ficar comigo. Nenhuma enfermeira a trouxe envolvida em uma mantinha para eu ali acalentá-la, para me ensinarem a trocá-la, dar-lhe banho ou amamentá-la. Havia um bercinho no quarto, mas ficou vazio. Acabamos usando-o para apoiar nossas bolsas.

Mas a pintura era a imagem de uma menina feliz e bonita - era assim que eu imaginava minha pequena menina. Mesmo que talvez ela não tivesse essa aparência exterior, queria pensar nela desta forma, queria pensar que em sua personalidade e sua alma ela era linda e feliz. Quem sabe um dia no céu eu a encontrasse assim, uma mocinha linda e feliz! 

Estranhei que no corredor do quarto onde eu estava na maternidade, não havia outros enfeites nas portas, e desconfio que talvez minha médica tenha tido o cuidado de pedir que me colocassem distante dos quartos onde outras mães estavam com seus bebês, para não aumentar a dor da perda da minha filha, afinal, estávamos preparados para tudo, até mesmo para o fato de que ela poderia nascer já sem vida. Ou foi coincidência, não sei... De qualquer forma ela e todos os que me atenderam foram muito sensíveis, humanos e atenciosos.

Mas já que a menininha não podia ir até o quarto onde estava o quadrinho, o quadrinho foi até o quarto em que ela estava. Fiquei muito orgulhosa de deixar seu enfeite lá, não somente por um dia, mas por 5 meses, ao lado do bercinho em que ela estava no hospital. Para nossa surpresa ela veio para casa e o quadrinho veio junto. E continuou por mais 2 anos e um mês ao lado do seu berço, onde todas as noites ela dormia.  Sim, a menininha veio para casa, depois de fazer uma cirurgia, mas era carequinha, com uns fiapinhos de cabelo espetadinhos crescendo ao redor de uma imensa cicatriz.

Mas após dois anos e meio, ou melhor, 916 dias, finalmente aquela previsão que um dia os médicos me deram aconteceu: minha filha morreria. Sim, eles estavam certos! Minha filha morreu! A previsão deles só sofreu um pequeníssimo atraso de 2 anos e meio. Ah, mas o que são dois anos e meio para uma mãe? Sim, ela tinha vida dentro do meu útero e por 2 anos e meio ela continuou viva, mesmo fora dele. Por si mesma ela respirou, seu coração bateu e uma grande sinfonia começou a ser executada, em meio a uma imensa complexidade de processos biológicos, produção de hormônios, enzimas, divisões celulares, tudo seguiu em frente como se estivesse sendo coordenado perfeitamente por uma orquestra que tem um bom maestro à sua frente. Ah, mas o que é a vida de um filho que nasce com grandes necessidades especiais? Vai ser um grande sofrimento, um peso para a vida toda e, provavelmente - sim, um dia alguém disse isso e todo mundo passou a repetir como bons papagaios bem treinados - provavelmente essa criança não sente nada! Não tem noção alguma de quem é, de quem são seus pais ou do que acontece ao seu redor. São tudo reflexos. Hum... interessante. Será que nossos bebês recém nascidos "normais", "perfeitos", "supersaudáveis",  todos já nascem com uma consciência perfeitamente desenvolvida, cientes de quem são, quem são seu pai e sua mãe e tudo o mais? Ah, não? Um bebê age principalmente por reflexos? Sério? E ele vai aprendendo, interagindo com sua mãe, sua família, com o meio e com as pessoas ao seu redor? Hum...

Bem, aquela menininha que não sentia nada e era só reflexos começou, por meio dos seus reflexos, a nos dizer que apreciava muito quando era carregada no colo. Que apreciava muito estar em contato com o corpo e a pele da sua mãe e do seu pai, e isso a acalmava e fazia sua respiração melhorar. Que às vezes ela não queria virar de lado no berço e ela também não gostava de espirrar. Ela chorava! Ah, mas o que é um choro de criança para uma mãe? Um choro que vem de uma criança que nem deveria viver! Mas aquela menina também começou a sugar. Lá estava ela sugando a sonda desde seu primeiro dia de vida! E quando compramos sua primeira chupeta, mal cabia na sua boca e tínhamos que ficar segurando para não cair, mas ela amou! Quem sabe se alguém tentar lhe dar leite na mamadeira? E não é que a menina conseguia sugar, engolir e ainda respirar, e fazer uma coisa de cada vez sucessivamente de forma que tudo fosse para o lugar certo. Ah, mas o que é ver um filho sendo alimentado, para uma mãe? Um filho que faz tudo somente por reflexos e que nem vai viver muito tempo! 

Bem, para mim estes foram alguns dos momentos mais lindos, únicos e inesquecíveis de minha vida.


E aquela criança começou a viver um minuto após o outro, um dia após o outro, uma semana após a outra, a tomar banho, abrir os olhos, mover braços e pernas, abrir e fechar a boca, soltar a voz de vez em quando, segurar nossas mãos e se abraçar ao nosso corpo quando a abraçávamos. Bem, tudo reflexo? Talvez. Mas aquela criança começou a mostrar que podia sentir dor e também sentir prazer, chorava e se esticava quando ouvia a voz da sua mãe. Estranhava se seus pais ficassem ausentes por muito tempo, se algum deles não chegasse durante a manhã na UTI, lá estava ela de olhos abertos e inquieta, até passava mal.

Apesar de os grandes cientistas, doutores, Phds, os mais renomados e conceituados médicos do país  repetirem categoricamente que um bebê como minha filha não sente nada, que não tem cérebro, logo é puramente reflexos, e não precisa ser considerado um ser humano vivo, logo não precisa ser amado, protegido, respeitado e amparado, ao longo da sua vida e da sua morte, bem, a minha filha me mostrou o contrário. E a sua opinião e os seus sentimentos têm muito mais importância para mim do que o parecer de um médico renomado, conceituado, cientista, doutor, Phd, e qualquer outro título que me inventem para impressionar.

Geralmente a gente tem um script de como as coisas devem ser na nossa vida... geralmente a gente idealiza como será ter um filho, antes mesmo que ele seja gerado, ou enquanto o espera. Às vezes as pessoas idealizam mesmo, esperando que seja tudo perfeito como num conto de fadas. Outros são mais atentos para a realidade, sabem que nem tudo é fácil, que ter um filho implica em responsabilidades, desafios, sacrifício e muita entrega. Mas que mesmo assim é maravilhoso. E dentro de sua idealização conseguem prever dificuldades: um bebê que vai chorar de cólica à noite, pode ter brotoejas no calor, alergias, pode pegar uma infecção de ouvido ou outro problema qualquer de vez em quando.
Talvez essa criança tenha medo de ir para a escolinha no primeiro dia ou que tenha alguma dificuldade de aprendizado ou de comportamento. Talvez ela seja birrenta e se jogue no chão do shopping esperneando,  querendo um brinquedo. Mas acreditamos que tudo será sempre dentro de uma normalidade e vai se resolver facilmente. Certamente haverá um livro falando a respeito, com algum especialista nos dizendo o que fazer. Certamente haverá alguém que já passou por isso e tirou de letra, nossas mães, nossas amigas mais velhas, uma mamãe blogueira famosa, ou quem sabe um médico saberá como resolver o problema.

É interessante que nem tudo na vida é assim. Talvez eu me arriscaria a dizer que nada na vida é assim. A vida não é perfeita e idealizada como imaginamos. Nem nossos filhos. Porque somos únicos, sempre teremos que escrever nossa própria história e por mais que haja milhares pessoas que viveram situações parecidas, teremos que encontrar o nosso caminho, aprendendo a lidar com os problemas que a vida nos apresenta. Aprendendo a criar e dar o nosso sentido e valor para tudo que é vivido.

Lembro quando a primeira médica nos informou que nosso bebê tinha um sério problema. Ela foi muito sensível e feliz em conseguir nos passar essa informação, e nos deixou claro que tínhamos uma escolha a fazer. Eu pensei que precisaria saber de minha filha se ela realmente não teria condições de viver. Se ela realmente queria abreviar o seu ou o meu sofrimento. Muitos médicos nos deram diversas opiniões, alguns de maneira muito infeliz, mas nenhum deles poderia substituir o direito que minha filha tinha de se manifestar e mostrar para que tinha vindo a esse mundo.

Sabendo que seu tempo poderia ser tão breve conosco, tivemos que aprender muitas coisas rapidamente.  Tivemos que conversar com ela. Nossa primeira conversa séria de mãe para filha foi aos 3 meses e meio de gestação. Talvez não houvesse tempo de conversar mais no futuro. Tive que falar para ela sobre a vida, sobre doença e morte. Sobre escolhas da vida e sobre coisas que estão fora do nosso controle. Sobre fé, amor e esperança. 

Sei que muitos adultos não se sentem à vontade em falar sobre determinados assuntos com as criança e às vezes preferem desconversar, dar desculpas, criar versões um pouco irreais... mas quando é sua filha que vai morrer? Quando é preciso falar sobre despedida aos 4 meses de gestação? Temos que falar e tentar tornar aquele momento especial, pois talvez sejam os nossos únicos momentos. Talvez por isso amadurecemos muito. Nove meses valeram mais que nove anos. Talvez mais que noventa anos.

Vitória e eu fomos nos tornando amigas e companheiras. Saíamos para passear, fazíamos as refeições juntas, eu lhe contava que estava lavando suas roupinhas, pintando seu enfeite de maternidade, me preparando para sua chegada. Até limpávamos a casa juntas, pois a situação não estava nem um pouco fácil e não havia como pagar alguém para isso. Muita coisa pôde ser vivida em 6 meses, em meio a alegrias, coisas engraçadas, momentos de choro e apreensão, até percebermos que éramos livres e podíamos sorrir e ser feliz. Dançar na chuva no meio da tempestade.

Mas chegou o momento de nascer e lhe falar novamente sobre as possibilidades: "Filha, amanhã você vai nascer. A médica vai abrir a barriga da mamãe e retirar você daí. Não sei o que acontecerá depois. Talvez Papai do Céu venha te buscar. Se isso acontecer, não tenha medo. Ela vai te tomar pela mão e te conduzir, te levar para o céu. Saiba que eu te amo muito, e que foi maravilhoso ser sua mãe, cuidar de você... um dia também vou partir, e então irei até você e poderei te dar um abraço bem, bem apertado. 
Mas tenho pedido a Papai do Céu que deixe você ficar. Que cure o probleminha na sua cabeça, que faça um milagre. Ele ainda não me respondeu (pausa para respirar fundo). Se Ele deixar, e se você quiser ficar, saiba que eu estarei aqui pra cuidar de você. Eu te amo!"

E assim foi. Com seus reflexos, ela sempre me entendeu, me ouviu e respondeu. Com seus olhos, com seu corpo, com suas mãos ela falava e interagia. Eram reflexos? Sim, provavelmente. Reflexos de amor, reflexos de humanidade, reflexos de vida. Afinal, ela veio até nós para brilhar!




Ah, e que fim levou o quadrinho nessa história?? Bem, ele ainda está aqui em seu quarto, perto do seu berço e das muitas bonecas que guardam o local em que ela dormia. É sempre bom olhar para esse cantinho e lembrar da minha menina. Sim, pois no quadrinho está pintada uma menina que lembra bastante minha filha na idade que tinha quando partiu: cabelos dourados, fofinha, com duas chiquinhas e um sorriso lindo de menina feliz. Hum... Como eu um dia sonhei! ;-)


domingo, 3 de março de 2013

Mais um olá!



Queridos amigos, quanto tempo não é?

Desculpem pois publiquei na postagem abaixo uma série de lembranças, pensamentos, palavras meio soltas, nem fiz nenhuma introdução explicando nada depois de uma longa ausência de novidades por aqui.

Como sempre agradeço todo o carinho, as lindas mensagens e comentários tão carinhosos cheios de palavras de apoio, desde a última publicação em janeiro, no aniversário da nossa gatinha. Muito obrigada!!!

É muito gostoso manter contato com tantos amigos e receber mensagens de tantas pessoas e lugares diferentes. sempre muito especiais.

Também peço desculpas, mais uma vez, pois não consigo responder a todas as mensagens que recebo. Às vezes estou mais tranquila de tempo, e consigo, outras vezes realmente não dá. Mas leio todas as mensagens aqui do blog e em meus e-mails e sou muito grata a Deus por tantas manifestações de amizade e carinho para conosco e com nossa filha.


Também queria compartilhar com vocês uma notícia boa, que tenho guardado há alguns meses: está quase finalizado um documentário sobre a vida da nossa princesinha amada, nossa querida Vitória, produzido pela Estação Luz Filmes (a mesma que produziu o Flores de Marcela). O cineasta Glauber Filho veio gravar as imagens e colher depoimentos aqui em casa em julho, por coincidência 15 dias antes da nossa gatinha partir. Quando tudo ficar pronto e o vídeo for divulgado, avisarei vocês, será uma produção livre para ser divulgada e assistida por todos. Mais um presente de Deus! Neste site eles mencionaram um pouco da história dela e sobre este trabalho.

No mais, graças a Deus nós estamos bem. Estamos trabalhando bastante, correndo, tentando recomeçar e reorganizar nossa vida. Alguns dias são muito bons e felizes, outros nem tanto, e claro que temos que conviver com a saudade que, de tempos em tempos, aperta mais no coração. Mas a paz de que nossa princesa cumpriu sua missão e merecia descansar, a fé de que ela está com Deus e feliz, isso nos conforta e ampara.

Uma ótima semana e fiquem com Deus!!!

Saudade, ausência, esperança e sonhos

"O que viveu mais não é aquele que viveu até uma idade avançada, mas aquele que mais sentiu na vida". Jean Jacques Rousseau



Por estes dias a saudade está batendo forte aqui nos nossos corações... saudade desta pequenina que se tornou nossa companheirinha, que estava sempre com a gente lutando, sorrindo, dando coragem e ânimo com seus lindos olhos cheios de vida. Faz tanto tempo que não a pegamos no colo, não damos um beijinho em seu rosto. Tanto tempo que não penteio mais seus lindos cabelos e faço chiquinhas, nem lhe dou um banho gostoso e durmo abraçadinha com ela em meu peito. Difícil encarar o fato de que vai levar tanto tempo para lhe dar novamente um abraço e um carinho.


***

Essa semana abri uma gaveta com as suas roupinhas, peguei alguns bodies tentando encontrar seu cheirinho... não costumo fazer isso com muita frequência, mas às vezes é preciso. Senti o cheiro das suas roupas, sim, mas o seu cheirinho não está mais ali. Peguei algumas peças mais do fundo e encontrei uma com um fiozinho de cabelo, pequeno e dourado, o seu cabelinho... que eu penteava e fazia chiquinhas e ela ficava linda.

Ah, pequeninha, mamãe te ama tanto, que Deus te abrace e te beije por mim, você nunca será esquecida em nenhum dia das nossas vidas.

***


A vida ficou mais estranha e um tantinho vazia, com um pontinho a menos de brilho nas cores, desde que ela se foi. Parece que a gente vive um filme com aquelas imagens meio esfumaçadas, aquelas cenas estranhas que a gente não entende logo de começo se é um sonho, se é uma lembrança, se é o presente. É uma coisa esquisita, é uma sensação sem nome e sem definição. Isso é a ausência. É diferente da saudade, que tem tantas cores e cheiros, que tem temperatura, textura e até música de fundo... A saudade vem quando olhamos para trás e lembramos momentos bonitos vividos. Até sorrimos. A ausência vem quando percebemos que não dá pra viver no passado, olhamos para o presente e encaramos que aquela pessoa que amamos não está mais aqui com a gente. A ausência me parece um vazio duro e seco, um não sei quê, que dói.

***

O nosso tempo acabou e é tão doloroso encarar isso, lembro quando ela estava na UTI, e passar uma noite inteira longe dela era tão difícil, ter que partir e deixá-la aos cuidados das enfermeiras. Já conhecíamos todas muito bem, e quando elas estavam de folga e vinha uma técnica nova, eu ficava mais insegura, passava a ela todas as recomendações, como ela mamava, como era a temperatura, os cuidados para ela não vomitar, como gostava de dormir, a necessidade de reportar qualquer alteração para a enfermeira chefe. E então a gente vinha para casa, com o coração apertadinho, mas com a promessa de que no dia seguinte voltaríamos.

Sempre eu que partia e lhe dizia que me esperasse. O único momento em que ela é quem partiu foi para a sua cirurgia, com quatro meses. Eu fiquei desde a madrugada com ela em meu colo, bem apertada contra o meu corpo, lhe aquecendo e lhe dando amor. Expliquei-lhe sobre a cirurgia, e lhe disse várias vezes: eu vou estar aqui te esperando, por favor volte, estarei aqui! E ela voltou! Entre alegria, alívio e medo, vivemos tantas situações difíceis, tantos sufocos, saltamos montanhas e cruzamos mares juntas.



***

Como é importante uma despedida.

Na véspera da sua partida, a última noite em que ela dormiu aqui em casa, após ela mamar seu leitinho com frutas antes de dormir, eu deitei no sofá e lhe dei um colinho. Às vezes eu gostava de parar tudo por um tempo e lhe dar colo, como quando ela era bebezinha. Quando pequenina eu lhe dava colo na maior parte do dia, mas ela foi crescendo, ficando maior, foram surgindo mais atividades, tarefas e a vida foi tomando uma rotina normal. Mas de vez em quando eu lembrava, ela ainda é minha bebê e preciso ter esse tempo com ela.

Na sua última noite aqui em casa, eu a peguei no colo e fiquei acariciando seus cabelos. Falei mais uma vez que lhe amava, disse palavras de carinho. Já era tarde. O Marcelo apareceu, me chamando para ir dormir, lembrou que já era tarde. Eu disse a ele que estava tão bom estar ali com ela, lhe dando um colinho, era tão maravilhoso. Eu disse a ele: dá vontade de ficar aqui para sempre! Sempre era bom estar com ela, mas naquele momento parecia mais especial, uma sensação de coração cheio de paz e plenitude, de sentir que  conseguíamos nos entender tão bem e expressar o quanto nos amávamos. Então levantei, coloquei-a em seu berço, fiquei lhe observando. Ela pareceu meio incomodada na hora que lhe deitei, parecia que também queria continuar no meu colo. Mas logo se acalmou e dormiu. Foi uma das madrugadas mais frias do ano.

E no dia seguinte tudo aconteceu. Foram momentos bem difíceis, ela acordou já em febre alta, com dificuldades para respirar, parecia muito sério. Pela primeira vez desde que ela viera para casa, ligamos para a emergência chamando uma ambulância. Não souberam dizer em quanto tempo chegariam, então preferimos envolvê-la em uma toalha de banho e ir de carro correndo para o hospital. Ainda estava escuro e fazia muito frio, mas ela ardia em febre. Eu só lhe dizia que tudo iria ficar bem, que logo ela se sentiria melhor. E ela nunca mais voltou para casa.

Nós ainda pudemos nos despedir, no hospital, quando ela estava já sedada, lhe beijamos e dissemos o quanto lhe amávamos. Cantamos e oramos segurando sua mãozinha antes de ela partir. Mas de alguma forma a nossa despedida mais especial foi aquela, ali no sofá da sala. Talvez nossos corações já soubessem de alguma forma que aquela era nossa última noite juntas, nosso último colinho e momento de mãe e filha juntas e felizes. De alguma maneira queríamos congelar aquele momento para sempre. Mas é preciso seguir em frente, não dá pra parar a vida nos melhores momentos. Os dias difíceis vêm, os dias de despedida também chegam. Como os pessimistas afirmam triunfantes, nem tudo na vida são flores.

Foi muito bom nos despedirmos. Sabe quando alguém parte para uma longa viagem, e você dá todas as recomendações e fala tudo que é importante, pois sabe que ficará muito tempo sem ver a outra pessoa?
Foi assim. Não sabíamos, mas já sabíamos, de alguma maneira.

As preocupações passaram, a correria do dia a dia, os olhares curiosos e inconvenientes que tantas pessoas já lançaram, os comentários azedos e amargos, e até mesmo os doces, tudo isso passou. Os momentos de "blog popular" também passaram, os elogios, tudo isso passa. Muitas coisas mudam.

Ficou somente o amor que foi vivido. Esse amor profundo que jamais se tornará fora de tempo. A lembrança de seu último dia de vida em que eu preferi deixar a casa bagunçada e a louça por lavar para aquecê-la em meus braços, e nosso momento "de querer ficar aqui pra sempre". 

Tenho tantas coisas a aprender, a fazer, a mudar e a crescer. Claro que este blog  não é um confessionário e as pessoas criam uma imagem idealizada, gostam de levantar heróis (e também vilões), recebemos muitos elogios e na verdade somos somente pessoas comuns e anônimas, que têm que batalhar e trabalhar e enfrentar dias difíceis e encarar os próprios erros e limitações. 

Mas agradeço muito a Deus pelos momentos de lucidez e clareza em que escolhemos ficar com nossa filha e amá-la. Por entender que todas as angústias e preocupações passariam, mas aquele zelo, amor e carinho valeriam pra sempre. Ninguém jamais vai tirar de mim o amor e as boas lembranças do tempo que vivemos com nossa princesinha. Podem passar décadas. Vai estar aqui comigo para sempre.

Nem tudo na vida são flores, é verdade. Por isso é tão valioso quando você tem uma flor em sua vida. É tão importante amar e cuidar com todo o coração da sua flor. 

***

Às vezes o que me consola é pensar que nossa princesa já estava cansadinha e vinha enfrentando algumas dificuldades. Que era preciso se mudar para o céu para o seu bem. Às vezes questiono a Deus por que ela teve que sofrer em alguns momentos, (isso é o que mais dói em meu coração) e em outras percebo que, se não fosse para poupá-la de sofrer, teria sido muito difícil ter aceitado a sua partida. Então agradeço porque tive o privilégio imensurável de viver tantas coisas maravilhosas com ela, durante muitos e muitos dias. Tento me apegar ao que pudemos viver e em como foi muito, muito bom. Foram muito mais dias felizes do que tristes. Muito mais.

*** 

Muitas vezes eu nem penso muito, apenas sigo em frente, trabalho bastante, vejo suas fotinhos, também beijo sua imagem dormindo em meu celular (menos frio que o porta-retrato) e me absorvo em outras atividades. Corro sem olhar para os lados.

Mas uma hora as lágrimas vêm. Demoram, mas vêm. Um dia fui falar com Deus e chorei, e quando vi estava chorando e perguntando: por que ela teve que sofrer, por quê? Aceito tudo que vivemos, aceito que ela tinha que nascer assim e partir, só não entendo por que ela sofreu. Fiquei surpresa ao ouvir aquelas palavras. Eu não tenho nenhum sentimento de revolta, sinto paz e falo sobre tudo que vivemos com muita naturalidade (às vezes até demais, para "escândalo" de alguns que se dizem "chocados"). Mas esse sentimento de dor estava lá e encontrou um caminho para sair do coração e chegar aos lábios, sem avisar, apenas saiu. E chorei.


***

No dia seguinte, estávamos no carro indo para algum lugar (que não me lembro), e estávamos ouvindo alguns louvores e cantando. Estávamos cantando "Vim para adorar-te", nos últimos versos: "Não saberei quanto custou ver meus pecados lá na cruz, não saberei quanto custou ver meus pecados lá na cruz..." Estava feliz cantando e de repente parei, e comecei a chorar...  ouvi saindo dos meus próprios lábios que haviam feito a pergunta um pouco antes, a resposta. Ela sofreu sim, e por meio dessa dor absurda e imensurável, pude entender, um pouco, o que Jesus sofreu. De fato não saberei nunca o que Deus sentiu vendo seu filho ali sofrer, sendo torturado e executado estupidamente, sofrendo sozinho, sem poder receber um abraço, um carinho, um consolo ou um alívio. Sozinho. Apenas consigo imaginar, um pouco, agora.

Em meio a muitas lágrimas agradeci a Deus por não me sentir só e por Jesus ter vindo a este mundo se revelar e se humilhar entre os homens para que pudéssemos então dar um primeiro passo para longe da nossa arrogância, em direção à volta para casa.


***

Às vezes eu sonho com a minha querida filha. Geralmente são sonhos muito confortantes, e acordo com um calorzinho no coração. Duas semanas após ela partir, eu sonhei que estava me aproximando de meu quarto e vi o Marcelo ajeitando ela sobre a cama. Pensei: como que ela veio parar aqui, se ela morreu? Então eu a vi começando a se mexer e se espreguiçar todinha. E gritei muito alto (no sonho): Filha, você voltoooou!!!!!!! enquanto pegava sua mãozinha que estava acabando de se esticar. Quando a toquei, senti sua mão quente, e senti esse calor imediatamente em meu peito, muito real. Então acordei, rapidamente, como se voltasse de um mergulho profundo. Acordei sentindo aquele calor gostoso em meu peito e uma lagriminha no canto do olho.

Senti como se fosse a mão de Deus aquecendo meu peito. E a Sua presença muito forte neste sonho, um novo ânimo e consolo, me dizendo: Não deixe de crer, não deixe de enxergar além do que seus olhos podem ver. Ela vive.




*** 

Desde então todas as vezes que sonhei com ela, ela estava sempre viva e curada de todas as suas deficiências, ou eu a via ressuscitando, voltando à  vida. Uma vez ela bateu palminhas para mim, outras vezes estava engatinhando e fazendo arte, subindo nas coisas... em outras eu a abraçava muito e beijava. Uma vez, porém, sonhei que ela estava com frio e depois esquentou demais e eu estava aflita tentando ajudá-la! (pesadelo). Afinal, sonhos são sonhos. Não vou dizer aqui que querem dizer qualquer coisa além de que estes são os sentimentos que sempre tive por ela e como eu sempre a vi: perfeita e cheia de vida. E como eu ainda a vejo, e creio. Também acho que é uma forma que nossa mente encontra de matar essa saudade imensa e infinita. E é, sem dúvida, um presente de Deus revivê-la em meus sonhos.


***

Aqui neste cantinho, no Blog da nossa princesinha, é muito bom poder relembrar, reviver, e sentir todo esse amor tão bonito que pudemos viver com ela, que foi um momento precioso de nossas vidas.

Outro dia encontrei esta frase e achei que fazia muito sentido com a vida de nossa filha. Não sei realmente em qual contexto ela foi dita e por qual motivo, mas por si só possui um sentido especial. 

"O que viveu mais não é aquele que viveu até uma idade avançada, mas aquele que mais sentiu na vida". Jean Jacques Rousseau

Nossa princesa teve uma vida breve para este mundo, mas sua vida foi preciosa e intensa, e marcou a todos nós.



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