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Mas eu sou como uma oliveira que floresce na casa de Deus; confio no amor de
Deus para todo o sempre. Salmo 52:8

domingo, 3 de março de 2013

Saudade, ausência, esperança e sonhos

"O que viveu mais não é aquele que viveu até uma idade avançada, mas aquele que mais sentiu na vida". Jean Jacques Rousseau



Por estes dias a saudade está batendo forte aqui nos nossos corações... saudade desta pequenina que se tornou nossa companheirinha, que estava sempre com a gente lutando, sorrindo, dando coragem e ânimo com seus lindos olhos cheios de vida. Faz tanto tempo que não a pegamos no colo, não damos um beijinho em seu rosto. Tanto tempo que não penteio mais seus lindos cabelos e faço chiquinhas, nem lhe dou um banho gostoso e durmo abraçadinha com ela em meu peito. Difícil encarar o fato de que vai levar tanto tempo para lhe dar novamente um abraço e um carinho.


***

Essa semana abri uma gaveta com as suas roupinhas, peguei alguns bodies tentando encontrar seu cheirinho... não costumo fazer isso com muita frequência, mas às vezes é preciso. Senti o cheiro das suas roupas, sim, mas o seu cheirinho não está mais ali. Peguei algumas peças mais do fundo e encontrei uma com um fiozinho de cabelo, pequeno e dourado, o seu cabelinho... que eu penteava e fazia chiquinhas e ela ficava linda.

Ah, pequeninha, mamãe te ama tanto, que Deus te abrace e te beije por mim, você nunca será esquecida em nenhum dia das nossas vidas.

***


A vida ficou mais estranha e um tantinho vazia, com um pontinho a menos de brilho nas cores, desde que ela se foi. Parece que a gente vive um filme com aquelas imagens meio esfumaçadas, aquelas cenas estranhas que a gente não entende logo de começo se é um sonho, se é uma lembrança, se é o presente. É uma coisa esquisita, é uma sensação sem nome e sem definição. Isso é a ausência. É diferente da saudade, que tem tantas cores e cheiros, que tem temperatura, textura e até música de fundo... A saudade vem quando olhamos para trás e lembramos momentos bonitos vividos. Até sorrimos. A ausência vem quando percebemos que não dá pra viver no passado, olhamos para o presente e encaramos que aquela pessoa que amamos não está mais aqui com a gente. A ausência me parece um vazio duro e seco, um não sei quê, que dói.

***

O nosso tempo acabou e é tão doloroso encarar isso, lembro quando ela estava na UTI, e passar uma noite inteira longe dela era tão difícil, ter que partir e deixá-la aos cuidados das enfermeiras. Já conhecíamos todas muito bem, e quando elas estavam de folga e vinha uma técnica nova, eu ficava mais insegura, passava a ela todas as recomendações, como ela mamava, como era a temperatura, os cuidados para ela não vomitar, como gostava de dormir, a necessidade de reportar qualquer alteração para a enfermeira chefe. E então a gente vinha para casa, com o coração apertadinho, mas com a promessa de que no dia seguinte voltaríamos.

Sempre eu que partia e lhe dizia que me esperasse. O único momento em que ela é quem partiu foi para a sua cirurgia, com quatro meses. Eu fiquei desde a madrugada com ela em meu colo, bem apertada contra o meu corpo, lhe aquecendo e lhe dando amor. Expliquei-lhe sobre a cirurgia, e lhe disse várias vezes: eu vou estar aqui te esperando, por favor volte, estarei aqui! E ela voltou! Entre alegria, alívio e medo, vivemos tantas situações difíceis, tantos sufocos, saltamos montanhas e cruzamos mares juntas.



***

Como é importante uma despedida.

Na véspera da sua partida, a última noite em que ela dormiu aqui em casa, após ela mamar seu leitinho com frutas antes de dormir, eu deitei no sofá e lhe dei um colinho. Às vezes eu gostava de parar tudo por um tempo e lhe dar colo, como quando ela era bebezinha. Quando pequenina eu lhe dava colo na maior parte do dia, mas ela foi crescendo, ficando maior, foram surgindo mais atividades, tarefas e a vida foi tomando uma rotina normal. Mas de vez em quando eu lembrava, ela ainda é minha bebê e preciso ter esse tempo com ela.

Na sua última noite aqui em casa, eu a peguei no colo e fiquei acariciando seus cabelos. Falei mais uma vez que lhe amava, disse palavras de carinho. Já era tarde. O Marcelo apareceu, me chamando para ir dormir, lembrou que já era tarde. Eu disse a ele que estava tão bom estar ali com ela, lhe dando um colinho, era tão maravilhoso. Eu disse a ele: dá vontade de ficar aqui para sempre! Sempre era bom estar com ela, mas naquele momento parecia mais especial, uma sensação de coração cheio de paz e plenitude, de sentir que  conseguíamos nos entender tão bem e expressar o quanto nos amávamos. Então levantei, coloquei-a em seu berço, fiquei lhe observando. Ela pareceu meio incomodada na hora que lhe deitei, parecia que também queria continuar no meu colo. Mas logo se acalmou e dormiu. Foi uma das madrugadas mais frias do ano.

E no dia seguinte tudo aconteceu. Foram momentos bem difíceis, ela acordou já em febre alta, com dificuldades para respirar, parecia muito sério. Pela primeira vez desde que ela viera para casa, ligamos para a emergência chamando uma ambulância. Não souberam dizer em quanto tempo chegariam, então preferimos envolvê-la em uma toalha de banho e ir de carro correndo para o hospital. Ainda estava escuro e fazia muito frio, mas ela ardia em febre. Eu só lhe dizia que tudo iria ficar bem, que logo ela se sentiria melhor. E ela nunca mais voltou para casa.

Nós ainda pudemos nos despedir, no hospital, quando ela estava já sedada, lhe beijamos e dissemos o quanto lhe amávamos. Cantamos e oramos segurando sua mãozinha antes de ela partir. Mas de alguma forma a nossa despedida mais especial foi aquela, ali no sofá da sala. Talvez nossos corações já soubessem de alguma forma que aquela era nossa última noite juntas, nosso último colinho e momento de mãe e filha juntas e felizes. De alguma maneira queríamos congelar aquele momento para sempre. Mas é preciso seguir em frente, não dá pra parar a vida nos melhores momentos. Os dias difíceis vêm, os dias de despedida também chegam. Como os pessimistas afirmam triunfantes, nem tudo na vida são flores.

Foi muito bom nos despedirmos. Sabe quando alguém parte para uma longa viagem, e você dá todas as recomendações e fala tudo que é importante, pois sabe que ficará muito tempo sem ver a outra pessoa?
Foi assim. Não sabíamos, mas já sabíamos, de alguma maneira.

As preocupações passaram, a correria do dia a dia, os olhares curiosos e inconvenientes que tantas pessoas já lançaram, os comentários azedos e amargos, e até mesmo os doces, tudo isso passou. Os momentos de "blog popular" também passaram, os elogios, tudo isso passa. Muitas coisas mudam.

Ficou somente o amor que foi vivido. Esse amor profundo que jamais se tornará fora de tempo. A lembrança de seu último dia de vida em que eu preferi deixar a casa bagunçada e a louça por lavar para aquecê-la em meus braços, e nosso momento "de querer ficar aqui pra sempre". 

Tenho tantas coisas a aprender, a fazer, a mudar e a crescer. Claro que este blog  não é um confessionário e as pessoas criam uma imagem idealizada, gostam de levantar heróis (e também vilões), recebemos muitos elogios e na verdade somos somente pessoas comuns e anônimas, que têm que batalhar e trabalhar e enfrentar dias difíceis e encarar os próprios erros e limitações. 

Mas agradeço muito a Deus pelos momentos de lucidez e clareza em que escolhemos ficar com nossa filha e amá-la. Por entender que todas as angústias e preocupações passariam, mas aquele zelo, amor e carinho valeriam pra sempre. Ninguém jamais vai tirar de mim o amor e as boas lembranças do tempo que vivemos com nossa princesinha. Podem passar décadas. Vai estar aqui comigo para sempre.

Nem tudo na vida são flores, é verdade. Por isso é tão valioso quando você tem uma flor em sua vida. É tão importante amar e cuidar com todo o coração da sua flor. 

***

Às vezes o que me consola é pensar que nossa princesa já estava cansadinha e vinha enfrentando algumas dificuldades. Que era preciso se mudar para o céu para o seu bem. Às vezes questiono a Deus por que ela teve que sofrer em alguns momentos, (isso é o que mais dói em meu coração) e em outras percebo que, se não fosse para poupá-la de sofrer, teria sido muito difícil ter aceitado a sua partida. Então agradeço porque tive o privilégio imensurável de viver tantas coisas maravilhosas com ela, durante muitos e muitos dias. Tento me apegar ao que pudemos viver e em como foi muito, muito bom. Foram muito mais dias felizes do que tristes. Muito mais.

*** 

Muitas vezes eu nem penso muito, apenas sigo em frente, trabalho bastante, vejo suas fotinhos, também beijo sua imagem dormindo em meu celular (menos frio que o porta-retrato) e me absorvo em outras atividades. Corro sem olhar para os lados.

Mas uma hora as lágrimas vêm. Demoram, mas vêm. Um dia fui falar com Deus e chorei, e quando vi estava chorando e perguntando: por que ela teve que sofrer, por quê? Aceito tudo que vivemos, aceito que ela tinha que nascer assim e partir, só não entendo por que ela sofreu. Fiquei surpresa ao ouvir aquelas palavras. Eu não tenho nenhum sentimento de revolta, sinto paz e falo sobre tudo que vivemos com muita naturalidade (às vezes até demais, para "escândalo" de alguns que se dizem "chocados"). Mas esse sentimento de dor estava lá e encontrou um caminho para sair do coração e chegar aos lábios, sem avisar, apenas saiu. E chorei.


***

No dia seguinte, estávamos no carro indo para algum lugar (que não me lembro), e estávamos ouvindo alguns louvores e cantando. Estávamos cantando "Vim para adorar-te", nos últimos versos: "Não saberei quanto custou ver meus pecados lá na cruz, não saberei quanto custou ver meus pecados lá na cruz..." Estava feliz cantando e de repente parei, e comecei a chorar...  ouvi saindo dos meus próprios lábios que haviam feito a pergunta um pouco antes, a resposta. Ela sofreu sim, e por meio dessa dor absurda e imensurável, pude entender, um pouco, o que Jesus sofreu. De fato não saberei nunca o que Deus sentiu vendo seu filho ali sofrer, sendo torturado e executado estupidamente, sofrendo sozinho, sem poder receber um abraço, um carinho, um consolo ou um alívio. Sozinho. Apenas consigo imaginar, um pouco, agora.

Em meio a muitas lágrimas agradeci a Deus por não me sentir só e por Jesus ter vindo a este mundo se revelar e se humilhar entre os homens para que pudéssemos então dar um primeiro passo para longe da nossa arrogância, em direção à volta para casa.


***

Às vezes eu sonho com a minha querida filha. Geralmente são sonhos muito confortantes, e acordo com um calorzinho no coração. Duas semanas após ela partir, eu sonhei que estava me aproximando de meu quarto e vi o Marcelo ajeitando ela sobre a cama. Pensei: como que ela veio parar aqui, se ela morreu? Então eu a vi começando a se mexer e se espreguiçar todinha. E gritei muito alto (no sonho): Filha, você voltoooou!!!!!!! enquanto pegava sua mãozinha que estava acabando de se esticar. Quando a toquei, senti sua mão quente, e senti esse calor imediatamente em meu peito, muito real. Então acordei, rapidamente, como se voltasse de um mergulho profundo. Acordei sentindo aquele calor gostoso em meu peito e uma lagriminha no canto do olho.

Senti como se fosse a mão de Deus aquecendo meu peito. E a Sua presença muito forte neste sonho, um novo ânimo e consolo, me dizendo: Não deixe de crer, não deixe de enxergar além do que seus olhos podem ver. Ela vive.




*** 

Desde então todas as vezes que sonhei com ela, ela estava sempre viva e curada de todas as suas deficiências, ou eu a via ressuscitando, voltando à  vida. Uma vez ela bateu palminhas para mim, outras vezes estava engatinhando e fazendo arte, subindo nas coisas... em outras eu a abraçava muito e beijava. Uma vez, porém, sonhei que ela estava com frio e depois esquentou demais e eu estava aflita tentando ajudá-la! (pesadelo). Afinal, sonhos são sonhos. Não vou dizer aqui que querem dizer qualquer coisa além de que estes são os sentimentos que sempre tive por ela e como eu sempre a vi: perfeita e cheia de vida. E como eu ainda a vejo, e creio. Também acho que é uma forma que nossa mente encontra de matar essa saudade imensa e infinita. E é, sem dúvida, um presente de Deus revivê-la em meus sonhos.


***

Aqui neste cantinho, no Blog da nossa princesinha, é muito bom poder relembrar, reviver, e sentir todo esse amor tão bonito que pudemos viver com ela, que foi um momento precioso de nossas vidas.

Outro dia encontrei esta frase e achei que fazia muito sentido com a vida de nossa filha. Não sei realmente em qual contexto ela foi dita e por qual motivo, mas por si só possui um sentido especial. 

"O que viveu mais não é aquele que viveu até uma idade avançada, mas aquele que mais sentiu na vida". Jean Jacques Rousseau

Nossa princesa teve uma vida breve para este mundo, mas sua vida foi preciosa e intensa, e marcou a todos nós.



quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Há seis meses uma pombinha branca voou com Jesus!


Hoje completam-se seis meses desde que a nossa "pombinha branca" alçou seu voo e partiu com Jesus! 



No último domingo foi o seu aniversário de 3 anos, nós levamos uma cesta linda de flores, uma borboleta brilhante e cata-ventos, e colocamos diante do seu túmulo. Também acendemos uma velinha de três anos à noite para agradecer pela sua linda vida.

É claro que ela não precisa de flores e velas (acredito que ela está em um lugar muito mais florido e iluminado do que aqui!) - mas para nós é importante celebrar em sua memória, honrar seu nome, sua história. Não esquecer o quão maravilhoso foi tê-la conosco.

Eu também fiz a seguinte reflexão:

Quando alguém faz aniversário, nós acendemos uma vela com o número dos anos de vida para celebrar. Contamos os nossos anos de vida porque sabemos que estes anos são limitados e um dia findarão. A chama lembra que ainda há vida. Hoje quando acendemos essa velinha em memória da Vitória, colocamos um porta-retrato com uma foto sua para lembrar sua vida e tirei essa fotografia. Quando minha sogra viu a imagem, comentou que no reflexo da chama não aparecia mais o número 3 da velinha, apenas a chama!

Então nesse momento que decidimos não apenas chorar, mas também celebrar e agradecer, entendemos: aqui nós contamos os anos, mas ela não precisa mais contá-los, porque na presença de Deus não há mais limitações, nem físicas, nem emocionais, espirituais... e nem de tempo! Ela é eterna junto de nosso amado Pai.

Isso trouxe alegria e paz ao meu coração. :-) Não é maravilhoso?

 



quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Chegada nos céus - Despedida na terra

Queridos amigos e leitores, neste post compartilho alguns momentos do dia do sepultamento da nossa princesa. Desculpem aos que por acaso sintam-se mal com este relato. A intenção não é de forma alguma chocar ou impressionar ninguém. Apenas dividir alguns fatos e sentimentos com aqueles que muito a amaram junto conosco - com a sinceridade e sensibilidade com que sempre relatei o que vivemos desde o seu nascimento. Se alguém não se sentir pronto a vivenciar estes momentos conosco hoje, fique à vontade para sair... A postarem estará aqui quando desejar ou precisar lê-la. Mas por favor respeite esse espaço.

Meu desejo é poder ajudar a outros pais e mães que venham a enfrentar o momento da despedida de seus amados filhos, e a outros que Deus permitir que leiam este post e desejem refletir sobre sua existência e caminhada nesta vida. 

Ao contrário do que muitos pensam, evitar falar no assunto nem sempre é o melhor caminho para "superar" o luto. Acredito que é possível transformar a dor em amor, em carinho, em boas lembranças e lições de vida - e que isso é saudável e importante para quem perde um familiar amado.



Ouvi uma forte voz que vinha do trono e dizia: "Agora o tabernáculo de Deus está com os homens, com os quais ele viverá. Eles serão os seus povos; o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus. Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou."




Aquele que estava assentado no trono disse: "Estou fazendo novas todas as coisas!" E acrescentou: Escreva isto, pois estas palavras são verdadeiras e dignas de confiança". Disse-me ainda: "Está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. A quem tiver sede, darei de beber gratuitamente da água da vida. O vencedor herdará tudo isto, e eu serei seu Deus, e ele será meu filho. Apocalipse 21


Nós fomos levados para um local chamado Morgue, no segundo subsolo do hospital, cerca de meia hora após o falecimento da Vivi. Uma copeira trouxe chá, cafezinho, bolachas e geleias logo depois que chegamos e reabasteceram tudo algumas vezes ao longo da noite, enquanto nossos amigos estavam conosco  - um gesto gentil e solidário do hospital naquele momento.

Ajudamos a arrumar seu lindo corpinho já sem vida, que estava envolvido em um lençol quando ela foi liberta de toda a sua dor e limitação e foi recebida por Jesus no céu. Aquela linda festa que eu havia lhe prometido quando nasceu, finalmente estava acontecendo dois anos e meio depois... e seu corpo não precisava mais estar na UTI recebendo medicações e cuidados. 

Pedi a minha sogra que buscasse em casa um lindo vestido vermelho que ela usara em seu aniversário de dois anos. Vovó Cida trouxe também uma meia-calça e sapatos prateados. Duas enfermeiras vieram para vesti-la para mim. Na ocasião do aniversário o vestido ainda era grande, mas agora ficara perfeito. Penteei seu cabelo com duas chiquinhas - ela estava tão linda com seus longos cabelos dourados que caíam até seus ombros. Passei óleo perfumado em seu rosto para tirar o restante de cola de esparadrapo do tubo, e perfumar e amaciar sua pele... ela estava linda, com a pele clarinha, apenas seus lábios muito descorados desde que entrara em choque. Passei um pouco de batom rosa clarinho, com um pincel, ficou natural e finalmente ela estava pronta. Ajeitamos uma bonequinha e bichinhos de pelúcia ao seu redor, para ficar com uma lembrança bonita desse momento de despedida do seu corpo terreno.



Então peguei um caderno que havia trazido, onde anotava algumas orações e estudos bíblicos, e minha Bíblia, e escrevi alguns versículos que me inspiraram desde o início da sua vida. Fui escrevendo e colocando os papéis como bilhetinhos ao redor do seu corpo. 


O Senhor é o meu pastor; de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me o vigor. Guia-me nas veredas da justiça por amor do seu nome. Mesmo quando eu andar por um vale de trevas e morte, não temerei perigo algum, pois tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me protegem.Preparas um banquete para mim à vista dos meus inimigos. Tu me honras, ungindo a minha cabeça com óleo e fazendo transbordar o meu cálice. Sei que a bondade e a fidelidade me acompanharão todos os dias da minha vida, e voltarei à casa do Senhor enquanto eu viver. Salmo 23


Foi a forma que encontrei de cercar aquele momento tão triste com as promessas de Cristo e guardar nossas mentes e corações Nele. Também escrevemos uma cartinha para ela, algumas poucas horas após ela partir desse mundo. Pedi ao Marcelo que me ajudasse a escrever e a deixarmos junto de seu corpo enquanto aguardávamos o momento de ir para o cemitério.


Amada filha,

Como nós te amamos! Te amamos de todo o nosso coração desde que soubemos da sua existência. Cada instante da sua vida foi celebrado com muita alegria e gratidão por nós. Foi maravilhoso lutar junto com você, ver você nascer, viver, crescer sempre tão linda e tão doce. Você é um tesouro de valor inestimável, uma preciosidade que os nossos olhos tiveram o privilégio de contemplar.

O brilho do teu olhar conversa com a nossa alma. A tua pureza e o teu amor nos ensinam muito de nosso Pai Eterno. Nós te amamos sem fim, um amor que não cabe nessa vida. Continuaremos te amando com amor eterno, por toda a nossa vida e para além dela. Cremos que você está bem agora, junto do nosso Pai, pois servimos um Deus vivo, fiel, leal e verdadeiro. Aquele que te criou, te recolheu. Ficaremos com saudade da tua presença física, mas estamos em paz, pois a sua vida aqui nesta terra foi radiante da beleza de Cristo.

Vai com Deus, nosso anjinho puro e precioso, nossa princesinha, nossa gatinha muito, muito linda e vencedora, sua serelepe! Nós sempre te amaremos com amor eterno.

Muito obrigada por esse tempo tão lindo em que você lutou para estar conosco.

Muito obrigada por tantos dias tão felizes em que você se deixou ser amada e cuidada por nós.

Muito obrigada por ter nos levado para mais perto de Deus.

Muito obrigada por ter nos ensinado lições tão preciosas sobre a vida.

Você é linda, perfeita, preciosa. Sempre te amaremos e agradecemos tanto a Deus por você estar agora em paz junto dele.

Fica bem, princesinha, fica com Deus, vai em paz, voa linda seu gracioso voo para a eternidade.

Com todo o amor e carinho,
papai e mamãe



Algumas dezenas de amigos foram ao hospital assim que souberam que ela partira, por volta das 9:30 da noite, para nos abraçar e consolar. Estávamos sem telefone celular, sem computador, somente ligamos do quarto da UTI para alguns amigos e familiares que lembrávamos o número de cor e pedimos que avisassem a todos que pudessem. Durante a madrugada aos poucos todos foram se despedindo e lá pelas quatro horas da manhã estávamos apenas o Marcelo, eu e minha sogra, Cida.

Tentamos cochilar, acho que talvez consegui dormir uns 20 minutos, depois voltei a ficar ao lado de seu corpo. Enquanto eu chorava eu a enxergava por entre as lágrimas, e era como se ela ainda respirasse por entre a imagem marejada e oscilante dos meus olhos. Algumas pessoas do hospital apareceram durante esse tempo. Lembro de uma moça que veio me abraçar, isso já devia ser de manhã cedo, e me disse: "trabalho há muitos anos neste hospital, e nunca desci até aqui. Mas hoje eu precisava vir lhe dizer que te admiro muito e desejo que Deus os abençoe. Parabéns pela mãe que você foi!" Ela me deu um abraço carinhoso e saiu.

Quando o carro da funerária chegou, por volta das 8h da manhã, estávamos ao lado de seu corpo, e um senhor muito educado e atencioso veio colocá-la em seu caixãozinho branco para levá-la. O Marcelo o ajudou a colocá-la no caixão - ela parecia estar dormindo, era como se seu rostinho fosse fazer algum movimento porque estávamos mexendo com ela - como ela sempre fazia. Como ela era sempre tão expressiva e cheia de vida mesmo quando dormia! Como alguém poderia dizer que ela não tinha vida, desde sua gestação? Mas desta vez não - seu sono era muito mais profundo... E ela se foi envolta em seus bichinhos e sua boneca.




Somente pude colocar um aviso no blog e Facebook sobre seu falecimento, informando sobre o velório e o enterro durante a madrugada, quando conseguimos uma tomada adaptada para carregar o notebook. Enquanto íamos para o cemitério, liguei para a pediatra dela e para a sua fisioterapeuta, pois foram pessoas que cuidaram dela com muito amor. Não consegui avisar mais ninguém.

Enquanto o carro andava, eu olhava para o céu e tudo parecia tão claro e diferente. Após passar a noite toda no subsolo do hospital a claridade do dia ofuscava meus olhos. Lembrei do dia em que a trouxemos para a casa, em uma fria manhã de junho quando, pela primeira vez ela andava de carro e conhecia um pouco do mundo. Quando ela deixava a UTI e estava indo para sua casa. Agora tudo era diferente, mas de certa forma semelhante. Ela deixara esta vida para ir para sua casa definitiva. De uma estranha maneira parecia que eu também morrera um pouco e começava uma nova vida. Uma nova vida sem minha filha. Em que eu teria que reaprender tudo, me reinventar sem ela ao meu lado.

Quando chegamos, o senhor da funerária estava ajeitando seu corpo no caixão aberto, e novamente pedi que me ajudasse, pois seus cabelos haviam bagunçado durante o transporte... refiz as chiquinhas e deixei seus cabelos espalhados por cima das flores que a rodeavam.

Muitos amigos vieram. Meus pais viajaram de madrugada do Rio Grande do Sul e chegaram logo cedo para estar conosco. À medida que se aproximava a hora do enterro, mais gente chegava, muitas dezenas de pessoas, entre amigos, familiares e conhecidos, até que a sala estava toda cheia até a entrada. Fiquei feliz com a presença de cada um. Especialmente foi especial a presença da sua pediatra, Dra. Luiza Helena, a fisioterapeuta Janice, juntamente com duas outras terapeutas da clínica GHRAU, e a tia Carlinha, a técnica de enfermagem que cuidara dela desde seu primeiro dia de vida e durante os primeiros meses na UTI Neonatal. Carlinha chegou na hora do enterro, me abraçou chorando e disse: Jô, eu nunca imaginei que esse dia iria chegar, eu não acredito que esse dia chegou!

Recebemos muitos abraços, muitas palavras de consolo. Sorríamos e chorávamos. Algumas pessoas expressaram publicamente o quanto Vitória impactou suas vidas e lhes trouxe preciosas lições sobre o amor de Deus e sobre o valor de crianças com necessidades especiais.

Dois amigos tocaram ao violão duas canções que pedimos: Grande é o Senhor (Adhemar de Campos) e Poder do teu amor (Diante do Trono).

Grande é o Senhor em quem nós temos a vitória,
Que nos ajuda contra o inimigo.
Por isso diante d' Ele nos prostramos.
Queremos o Teu nome engrandecer
e agradecer-Te por Tua obra em nossas vidas.
Confiamos em Teu infinito amor,
pois só Tu és o Deus eterno,
sobre toda Terra e Céu

Enquanto cantávamos, pensava em nossa caminhada nesta terra e agradeci sinceramente a Deus por ter permitido que a Vitória fosse nossa filha e vivesse tão surpreendente história. Adoramos o seu nome e o glorificamos por suas obras perfeitas. Ao fechar os olhos era como se eu não estivesse no chão e Deus me abraçasse e consolasse diante de seu trono no céu. E me ajudasse a enxergar além do que meus olhos humanos podiam ver.


Senhor eis me aqui
Vem transformar meu ser
No fluir da graça que encontrei em Ti
Senhor descobri
Que as fraquezas que há em mim
Podem ser vencidas no poder do Teu amor

Junto a Ti, Teu amor me envolve
Atrai-me para ao Teu lado estar
Espero em Ti e subo como águia
Nas asas do Espírito contigo voarei
No poder do Teu amor

Face a face quero ver-te meu Senhor
E conhecer o Amor que habita em mim
Vem renovar minha mente em Teu querer
Meus dias viverei no poder do Teu amor



Aquelas palavras eram surpreendentemente vivas e eu cri de todo o meu coração que era exatamente isso que Jesus havia feito por ela, levando-a nas asas do Espirito para junto da presença amorosa e viva de Deus, no momento em que ela deu seu último suspiro e seu pequeno coração bateu pela última vez nesse mundo. Aquele que a amava imensamente, e mais ainda do que nós, a recebera alegremente de braços abertos. Pensei na sua jornada e que ela estava indo para o lugar onde ela realmente deveria estar - no tempo perfeito de Deus.


O Marcelo disse algumas palavras e eu também. Lembro que agradeci a todos que haviam nos acompanhado ao logo dos últimos anos e agradeci por estarem ali conosco. Disse que me orgulhava de minha filha e da forma como ela vivera sua vida e cumprira sua jornada, e desejava que ela fosse a nossa inspiração, para que eu e todos os que ali se encontravam também tivéssemos coragem e amor para cumprirmos a nossa missão, o propósito que Deus tem para nossas vidas. Para que ao chegar o momento da nossa partida, possamos descansar em paz como nossa amada filha. Que ela fosse um exemplo e inspiração para nós continuarmos a nossa vida neste mundo.

O dia era muito frio. Seu rostinho já estava terrivelmente gelado, mas ainda assim eu a beijei algumas vezes. Eu precisava beijá-la e ainda expressar meu amor cuidando com carinho e respeito de seu corpo e lhe oferecendo um sepultamento digno. E na última vez eu lhe disse: Vai com Deus, meu amor, eu te amo muito. Marcelo e eu nos abraçamos sobre o seu corpo e baixinho eu disse: "Família!!!", como sempre costumávamos fazer durante as brincadeiras em casa, os três abraçados e unidos. Sabia que ela não estava mais ali, mas todas estas atitudes e palavras me ajudavam a vivenciar plenamente aquele momento de despedida. Todos estes momentos me fizeram bem. Sou muito grata por termos podido nos despedir dela dessa maneira. Também pedi que uma amiga tirasse uma foto nossa do meu celular - sabia que alguns me achariam maluca, mas eu queria registrar esse momento assim como registrara tudo desde o início - essa era a nossa história.




Chegada a hora do sepultamento, carregamos seu caixãozinho com orgulho, Marcelo, eu, e nossos pais. Nossa amada filha, uma guerreira digna e corajosa, que cumprira sua missão e agora descansara. Enquanto seguíamos o carro com o caixão e as coroas de flores em direção ao túmulo, apesar do vento frio e cortante, o dia se iluminou, o sol saiu de trás das nuvens e brilhou por entre a copa das árvores. E em silêncio assistimos aos coveiros, vestidos de azul e com grandes botas em meio à terra, jogarem terra e mais terra, até que tudo fosse totalmente coberto. Então eu senti de novo aquela estranha e inexplicável paz. A mesma paz que trouxera leveza ao meu coração quando ela nascera. Uma paz que não poderia imaginar sentir neste momento. Braços vazios, coração triste, mas em paz. Missão cumprida.

Não houve rituais ou cerimônias, apenas o silêncio da natureza, o vento, os pássaros ao longe. Agora não havia mais choro nem riso. Não havia o pulsar de um coração ecoando do ultrassom, nem o tique-taque do relógio. Acabaram-se os apitos da UTI e as músicas de ninar tocadas para velar seu sono. Mas o amor jamais findaria.

Marcelo e eu ficamos abraçados em silêncio diante à terra, diante às muitas flores depositadas sobre seu túmulo, diante à vida que agora estava em silêncio junto conosco, para chorar de saudade a agradecer.

Deus escrevera suas últimas palavras para aquela vida neste mundo, de uma pequena cidadã dos céus que agora retornava para casa com sua missão cumprida e todas as sementes de amor e coragem que recebera, plantadas em incontáveis corações.

Ao menos no meu coração, te prometo, essas sementes vão florescer!






Que saudade da criança mais linda e doce que carreguei em meus braços... minha princesinha linda, tão pequena, tão forte e valente. Iluminou nossas vidas e a de tantas pessoas ao redor do mundo somente com seu sorriso e seus olhos cheios de amor. Como agradecemos por você ter entrado em nossas vidas, estarás para sempre em nossos corações! Nossa amada Vitória de Cristo!

domingo, 13 de janeiro de 2013

Aniversário celestial - 3 anos de Vitória!

Tudo que recebemos e aprendemos com sua vida não se compara ao pouco que tivemos o privilégio de lhe oferecer: nosso amor de pai e mãe, uma família, um nome e uma memória. Que sempre honraremos em respeito e gratidão pelos grandes tesouros que recebemos com sua preciosa vida!





sábado, 29 de dezembro de 2012

Escolhi agradecer...



Que teremos que morrer um dia, é tão certo como não se pode recolher a água que se espalhou pela terra. Mas Deus não tira a vida; pelo contrário, cria meios para que o banido não permaneça afastado dele. 2 Samuel 14:14



"A vida é uma realização; e o morrer, o final dessa realização. No turbilhão em que vivemos, não conseguimos, muitas vezes, encarar a vida como uma realização, muito menos a morte. Mas é isso que ambas são', decreta Madre Tereza de Calcutá."



"Há somente duas maneiras de lidar com a morte: não encarar o fato de que somos finitos ou outorgar-lhe um significado. Tanto a vida como a morte pedem por uma atitude pessoal que lhes dê um sentido. O tempo de vida, o passado, o presente e o futuro adquirem ritmo, orientação e valor diferenciado conforme as atitudes que tomamos e as escolhas que fazemos. Não morremos de uma vez para sempre, cada instante nos faz viver e morrer. (...) 

'O sentido que damos à morte é o sentido que damos à vida. E o sentido que damos à vida é o sentido que damos à morte', escreve Leonardo Boff em Ética da vida. O nosso olhar para a morte depende do olhar que temos para com a vida." Vera Cristina Weissheimer


Vitória recém-nascida - janeiro de 2010

Então ele disse: "Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino". Jesus lhe respondeu: "Eu lhe garanto: Hoje você estará comigo no paraíso". Lucas 23:42-43





aniversário de 1 ano - janeiro de 2011


...com toda a determinação de sempre, também agora Cristo será engrandecido em meu corpo, quer pela vida quer pela morte; porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. (...) desejo partir e estar com Cristo, o que é muito melhor. apóstolo Paulo, em Filipenses 1:20-21; 23b


Vitória em dezembro de 2011






Tive o imenso privilégio de passar os últimos três anos com minha princesinha Vitória durante o Natal e o final de ano.

9º mês de gestação da Vitória - dezembro de 2009
Primeiro ela estava na minha barriga, pequenina, mas já serelepe e cheia de vida. Ela me trazia uma força que me encorajava diante ao nosso futuro incerto. Talvez no próximo mês Deus a levasse assim que nascesse em janeiro. Mas o amor tão profundo que havia surgido entre nós nos tornava mais fortes que a dor e que as incertezas. A nossa união vinha de Deus e a presença de Deus fazia as circunstâncias dessa vida se tornarem pequenas... entendi melhor porque Davi dizia que Deus era a sua torre alta nos momentos de tribulação. Quando estamos num lugar alto, a visão de algumas coisas que antes nos assustavam mudam de proporção.

A certeza da eternidade oferecida gratuitamente em Cristo se tornara algo real e maravilhoso quando víamos a morte diante de nós. Tudo que eu havia estudado e crido na sua Palavra, estava prestes a se tornar real.  Deus usou a minha Vitória de Cristo para me aproximar dele de uma forma nova, pura e simples. A minha bebê me ajudou a descobrir um coração de criança, simples e cheio de fé.

Parece que o ano realmente começou quando ela nasceu, dia 13/01/2010. E ela chegou tão suavemente, tão doce e amável. Pensamos que sua estadia conosco seria breve, tamanha era  sua fragilidade, mas não. Ela ficou conosco durante todo aquele ano cheio de desafios.

Ela nasceu com a cabecinha toda aberta, e minha primeira reação ao vê-la foi de que seria impossível viver naquela condição. Além de todas as previsões médicas e alguns poucos relatos de que tinha conhecimento, sua expectativa era de algumas horas de vida a poucos dias. Mas Deus e ela me mostraram que aquilo que parecia impossível aos olhos humanos era possível sim para Ele. Que nem sempre as previsões científicas se cumprem. Cada experiência é única. Não sabemos porque tivemos esse privilégio e essa missão (e realmente não necessito de explicações). Mas passamos cinco meses na UTI vendo milagres diários. Ela fez uma cirurgia que na primeira semana de vida um neurocirurgião dissera que era uma possibilidade absurda e nem mesmo registrou sua avaliação no prontuário dela - tamanho o desinteresse pelo seu caso.

No entanto, o absurdo aconteceu e ela enfrentou corajosa cada desafio. A criança que todos diziam que não sentia nada e era só “reflexos” aprendeu a mamar, nunca aspirou leite, o refluxo que diziam que era de origem neurológica e sempre existiria passou assim que ela chegou em casa.

andando de balanço - dez. 2010

Ah! Receber aquela bebezinha pequenina e doce em meus braços e trazê-la para casa foi um presente inigualável e maravilhoso. Tudo foi tão surpreendente e imprevisível que os médicos já não ousavam fazer previsões, muito menos previsões pessimistas. Ouvimos possibilidades como fazer uma nova cirurgia entre 5 e 8 de idade, se fosse necessário. Ela parecia tão decidida a viver e estava tão impressionantemente estável que tínhamos que nos preparar para tudo, para amá-la e acolhê-la durante todo o tempo que ela ficasse conosco.


Vitória na praia - dez. 2010


Vitória na praia - dez. 2010
O ano passou tranquilo e feliz, passamos um natal especial com aquela bebê que crescia linda, que comia papinhas, chorava, tentava engatinhar se arrastando, adorava dormir recebendo carinho e abraços. Também enfrentamos desafios, preconceitos, dificuldades, mas tudo se tornava pequeno perto da sua presença especial. Vieram os dentinhos, que deram bastante trabalho, ela cresceu muito, estava uma criança grande, forte, linda.

Mas no final de 2011 ela adoeceu inesperadamente e nosso coração ficou despedaçado ao ver a nossa menina sofrer sem saber como ajudá-la, como protegê-la e depois de tantos meses de felicidade ressurgiu o medo de perdê-la. De um dia para o outro ela acordou reclamando muito e ficando pálida e abatida, corremos para o hospital e à noite ela entrou em choque e foi para a UTI em estado gravíssimo. Todos achavam que ela não sobreviveria ou ficaria com sérias sequelas. Mas Deus deixou-a conosco contra todas as expectativas, mais uma vez. Fez com que ela se recuperasse e a devolveu aos meus braços. Ela foi recebida com muita alegria, muito carinho, beijos de gratidão e alívio.

Tivemos pouco tempo para respirar aliviados, e 2012 chegou com um novo susto, quando na véspera de Reveillon ela começou a ficar estranhamente inquieta. Dia 1º de janeiro estávamos no hospital. Ela parecia se sentir mal, com espasmos que ninguém sabia dizer de onde e por que vinham. Diagnosticaram como crises convulsivas e a possibilidade de uma nova infecção foi descartada, com base nos exames. Para no dia seguinte ela entrar em choque séptico inesperadamente, debaixo dos olhos dos médicos da UTI. Uma evolução rápida, e inesperada que pegou a todos de surpresa. Vivemos os dias mais difíceis de nossas vidas.

Dezembro de 2011 - Taquara - RS
Mas ela se recuperou mais uma vez, respondeu rapidamente a todas as medicações que recebeu e voltou para casa em apenas 10 dias – mais uma vez surpreendendo a todos no hospital em ver uma menina forte e cheia de vida e de reações. Porém doeu demais vê-la sofrer e passar por procedimentos invasivos e dolorosos, como intubação, passagem de cateter, sedação, sondas... tudo aquilo foi retirado rapidamente, mas guardei em meu coração o sentimento de que ela não merecia e não precisava passar por tudo aquilo mais uma vez.

Porém a preocupação e o medo passaram a rondar nossos corações com a possibilidade de perdê-la, de vê-la sofrer, de não conseguirmos cuidar dela como ela necessitava. Vieram as infecções urinárias recorrentes e ninguém sabia nos dizer com certeza o que fazer para evitá-las. Foram momentos difíceis, confusos, apreensivos... Não havia mais certezas e a única coisa que me parecia certa era que tinha que amá-la de todo o coração em meio às adversidades, e que devia entregar a sua vida nas mãos de Deus o tempo todo.

Nessas horas tudo que podemos fazer é amar e lutar. Não há o que questionar, não há tempo para lamentar porque estamos ocupados demais amando e lutando junto com uma pequena guerreira. Corremos atrás de tudo que era possível para tratar infecções urinárias, diferentes medicamentos, alimentação, sucos naturais, mudanças na higiene. Mas tudo foi ineficaz. A levamos muitas vezes ao pronto-socorro por qualquer comportamento estranho ou irritação, por qualquer suspeita de infecção, com o temor de que uma nova sepse acontecesse. Passamos a fazer exames todas as semanas, muitos telefonemas para a pediatra dela para passar os resultados, idas até o seu consultório pegar receitas de antibiótico. Mas ela sempre estava bem, apesar de tudo, e as infecções iam embora rapidamente assim como chegavam.

maio de 2012


Finalmente em junho ela foi internada para tratar uma infecção que a deixou realmente prostrada, e um uropediatra prescreveu o uso de sondas de alívio para esvaziar a bexiga. Ficamos muito aliviados em encontrar uma solução que ajudaria a prevenir eficazmente as infecções.

maio de 2012

Nós pedimos incessantemente a Deus que fizesse o melhor para ela, desde o início. Eu sabia que jamais teria a capacidade de cuidar dela sem a direção e as forças de Deus. Quando muitos dizem que nem todos têm a estrutura emocional e para cuidar de uma criança especial, realmente acho que é verdade. Vou mais além. Ninguém tem essa estrutura emocional e condições de encarar os desafios de amar, criar e educar um filho, com ou sem necessidades especiais... sem que Deus dê força e direção. E Ele a dá, eu creio, mesmo a quem não crê nele, mesmo a quem não o busca de uma maneira convencional, creio que a vida e a força vêm do seu amor incondicional por nós. Eu jamais teria condição. Se pensasse em ter uma criança especial, ficaria pasma, pensaria, isso não é para mim, não sei o que eu faria. Mas é fácil dizer isso quando não estamos com o nosso filho no ventre ou nos braços. E as forças surgem sabe-se lá de onde, quando deixamos de olhar para nós e olhamos para aquele pequenino bebê que precisa de nós.

Sempre deixei a Vitória em suas mãos e Ele sempre me ajudou a cuidar dela. E chegou o dia em que Ele veio buscá-la e pediu que entendêssemos e confiássemos que seria o melhor para ela. Foi o que eu senti em meu coração. Nós confiamos. Com o coração partido e em lágrimas, vivemos o momento que pensávamos que jamais chegaria, quando nós a entregamos em suas mãos e a deixamos ir junto com Jesus. Simplesmente aceitamos e a deixamos partir. Confiamos que Deus estava ali respondendo nossas orações pelo seu bem, pela sua cura, pela sua felicidade. Ele a deixou ser feliz conosco por um tempo maravilhoso, deixou-nos conhecê-la, amá-la, zelar por sua vida, mas chegou a hora de partir. Ou de chegar...

Quando encerramos o sepultamento de seu corpinho na terra, quando dissemos o último adeus e cobrimos seu túmulo com flores, eu senti muita paz. Senti que finalmente tinha cumprido a minha missão, tudo que me fora proposto. Com a graça de Deus.

Mesmo com limitações e desafios ela foi uma criança feliz e amada. Nos meses mais difíceis, quando ela começou a adoecer, ela nos presenteou com seus mais belos sorrisos, com seus olhares inexplicáveis de uma criança que, aparentemente, não tinha a visão, mas parecia estar o tempo todo enxergando com os olhos da sua alma... Uma criança que não tinha a comunicação verbal, mas que nos falava com os seus olhos, com seu rostinho perfeito e rico em expressões, com seu corpinho roliço e delicado cheio de gestos e palavras não pronunciadas... Uma criança que nos consolava e fortalecia sempre que a amávamos, que nos encorajava toda a vez que segurávamos sua mãozinha delicada e macia. Que nos abraçava a todo o momento com seu coração pequenino e puro.  Quantos abraços recebemos!



Este ano, dezembro de 2012, ela já não está mais aqui com a gente. A sua ausência dói. Ela está sempre em nossos corações, em nossos sonhos - e nesse sentido, um filho nunca morre, porque jamais morrerá nos pensamentos, emoções e lembranças de seus pais. Mas ela não está aqui, não como ela esteve nos últimos três anos.

Porém quando ela chegou em nossas vidas, nos contou um segredo. Quando estávamos apavorados e aflitos com o diagnóstico de acrania e com as palavras incompatível com a vida, e os conselhos alarmantes de alguns médicos, eu também quis ouvir o que ela tinha a me dizer, com seu coração. Aprendemos com ela o poder de agradecer. Agradecíamos diariamente pela sua vida, pelo privilégio de sermos seus pais, sem pensar que poderíamos “perdê-la” um dia, sem pensar que poderíamos sofrer. Mas agradecemos por todas as coisas boas que estávamos aprendendo e vivendo com ela. Agradecemos tanto, e ao aceitá-la e recebê-la com muito amor e gratidão, ela se tornou nossa para sempre.

novembro de 2012 - Canela, RS

Por isso eu decidi continuar a agradecer. Agradecer pelos 3 anos lindos e inesquecíveis em que ela esteve aqui comigo. Por todos os momentos felizes e belos que vivemos. Agradecer pelo privilégio de ela ter nascido, de ela existir e ser minha filha. Agradeço a Deus pela história que vivemos. Nem tudo foi bom. Em alguns momentos ela sofreu, e nós sofremos juntos. Nenhum pai quer ver seu filho sofrer. Mas receio que querer proteger seu filho de todo o sofrimento possível pode ter efeitos desastrosos. É só olhar para o mundo e ver quantas pessoas são incapazes de lidar com frustrações e perdas, incapazes de perdoar os outros e a si mesmas. Aprendemos muito com estes momentos de sofrimento. Amadurecemos muito. Nos tornamos mais solidários e compassivos diante do sofrimento dos outros. Aprendi muito mais a importância de não julgar, de respeitar, de ouvir. De tentar me colocar no lugar do outro. De amar. Não somos perfeitos e estamos a anos luz de distância de o sermos. Mas estranhamente, eu me sinto mais completa e feliz, por ter vivido tudo o que vivi.

Não vou lamentar o que não mais viveremos aqui com ela, porque há tanto a agradecer pelo que foi vivido. E como ela sempre seguiu em frente contra todas as adversidades, eu quero seguir em frente como ela. Ela partiu decidida e em paz, deu-nos o tempo de entender e nos despedir, e nós a deixamos ir. Porque a amamos de todo o nosso coração, nós pudemos deixá-la partir. E agora podemos seguir em frente, também em paz.

Ela não está aqui vivendo momentos especiais com a gente, as festas, os passeios, as viagens... Mas eu carrego em meu coração a fé de que ela está vivendo coisas maravilhosas com Jesus. Que no momento em que seu coraçãozinho parou aqui nesta terra, Jesus a estava recebendo nos céus. Que ela recebeu um forte e amoroso abraço e um grande sorriso e ouviu Jesus lhe dizer: Bem-vinda, minha querida, como eu esperei pela sua chegada! Como eu te amo! Eu dei a minha própria vida para você estar aqui. Como valeu a pena!






Desejo a todos os queridos amigos e leitores do nosso Blog um feliz 2013, cheio de alegria, realizações, aprendizado, saúde e paz!
Que cada um encontre seu caminho de felicidade e possa andar perto de Deus.
Sou imensamente grata por cada amizade, cada comentário, cada manifestação de carinho e desejo que Deus abençoe a vida de todos os que nos lêem!

Com muito carinho,
Joana e Marcelo
Em amorosa memória da princesinha Vitória de Cristo

nós, novembro de 2012 - Canela, RS (e nossa menininha em nossos corações)



* Citações bíblicas - tradução NVI : para reler os versículos de onde foram extraidos, compreendendo melhor todo o contexto, consulte a Bíblia online

Weissheimer, Vera Cristina. "Eu vi as tuas lágrimas": amparo e consolo no sofrimento, p. 102. Ed. Sinodal, 2009.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Como foi nossa ida ao Hemocentro

No último sábado, (01/12), conforme havia colocado aqui no blog, fomos ao Hemocentro da Santa Casa de São Paulo. Lá é o único Hemocentro na cidade de São Paulo onde é possível se cadastrar como doador de medula óssea. (para doar sangue há vários endereços). Deu tudo certo e nos cadastramos como doadores. Eu também pude doar sangue - o Marcelo ainda não pôde devido a um exame que fez recentemente.

Infelizmente nenhum amigo virtual do blog ou Facebook apareceu por lá. Mas a divulgação foi feita, espero que possamos ter encorajado amigos e leitores que ainda não são cadastrados a se informarem sobre essa possibilidade e se organizarem para doar.

Quem tiver interesse, fiz um pequeno relato de como foi, pra variar bem detalhado (risos!).

Chegamos umas 10h15, já havia bastante gente e fiquei feliz em ver muitos grupos de voluntários. Aguardamos uns 15 minutos até sermos chamados pela senha, depois levou mais uma meia hora entre fazer um teste de anemia e a entrevista, e mais uns 15 minutos até sermos chamados para a coleta. Quando já estávamos terminando, um casal de queridos amigos, André e Rita Caputo, chegou para também se cadastrar e doar sangue e foi muito legal bater papo enquanto aguardávamos a vez deles. Eles chegaram mais próximo ao início da tarde e enfrentaram uma fila bem maior, então imagino que quanto mais cedo você chegar, mais rápido será o processo todo (pelo menos aos sábados).

Eles servem um lanchinho bem básico após a doação e há um filtro com água para beber à vontade. Quem quiser se organizar, recomendo levar mais alguma coisinha para comer na volta para casa e uma garrafinha para abastecer com água. Você também deve esperar pelo menos uma hora antes de dirigir para ir embora.

Minha pressão baixa um pouco quando estou doando sangue (isso já aconteceu em outra vez que doei), mas realmente é algo passageiro e é bom evitar ficar de pé ou fazer muito esforço no restante do dia. Ao meu lado havia uma senhora que é doadora de sangue desde 1978 - uau! A enfermeira que nos atendeu foi super simpática. Comentamos sobre a nossa amada Vitória e como ela é nossa grande motivação para estarmos ali. O Marcelo pra variar sempre mostra as lindas fotos que tem dela no celular.

Ficamos sabendo também que há uma grande necessidade de doadores de plaquetas - esse componente do sangue dura apenas quatro dias após a doação, então geralmente eles entram em contato com doadores voluntários quando há necessidade para os pacientes. Muitos pacientes da quimioterapia infantil que fica ali ao lado do Hemocentro necessitam de doação de sangue e de plaquetas. Sem falar no transplante de medula - a Santa Casa é referência nesse tipo de tratamento. Para ser doador de plaquetas, a pessoa precisa ter uma veia bem calibrosa em cada um dos braços (não é meu caso), e o processo da doação leva cerca de uma hora a uma hora e meia. É um grande gesto de amor e solidariedade!

Foi especial pensar em quantas pessoas que doaram sangue desta mesma forma, e que ajudaram a Vitória quando ela esteve internada. Isso me fez ficar ainda mais grata. Não é algo simples. Não é como ir à farmácia e comprar um remédio. Você precisa se deslocar até um grande hospital. Você precisa pegar uma fila, passar por uma entrevista e falar sobre sua vida. Depois você leva uma picada chata com uma agulha e dói (um pouco mais do que a agulha para coletar sangue em laboratórios). Você fica algum tempo lá sentado enquanto seu sangue abastece uma bolsa de 450 ml, abrindo e fechando a mão. Sua pressão pode cair um pouco depois de doar o sangue e precisa esperar mais um pouco antes de ir embora enquanto toma bastante água para recuperar o volume de líquido perdido. O braço também fica dolorido por um ou dois dias. É realmente um gesto de amor muito precioso e agradeço de todo o coração a todos que são doadores de sangue e que doaram sangue em nome da nossa amada Vitória. Seu gesto fez uma imensa diferença na vida dela, muito obrigada!

Meu intuito não é desencorajar ninguém com este relato franco - sei que algumas pessoas morrem de medo e têm pavor de sangue e de agulha, e ninguém deve se sentir forçado a fazer nada. Mas espero relatar aqui que é um gesto de solidariedade e de sacrifício (pequeno) para ajudar uma outra pessoa. Às vezes é difícil parar e encontrar tempo para ir até o centro da cidade e vivemos sempre tão acelerados e atribulados. Eu poderia ter feito isso muito antes e não fiz.

Também poderia ter me cadastrado como doadora de medula óssea há uns 10 anos e não fiz - eu nem sabia que isso era possível, e somente há pouco tempo comecei a ver campanhas sobre doação de medula nas redes sociais. Agora que nos cadastramos, penso: por que não fizemos isso antes?! Por isso acho que a divulgação e o incentivo sobre doação ainda precisam ser mais intensos.


  • Outras informações importantes


  • No site da Fundação Pró-Sangue, atualmente os estoques de bolsas de sangue dos tipos O+, O- e B- estão muito baixos, e o de A- está baixo. Então fica mais um convite para quem tem estes tipos sanguíneos, que pode ser doador e o deseja, para doar!
  • Quem deseja entender melhor como é a doação de medula óssea e como se cadastrar, pode visitar Pesquisa sobre Doação de Medula Óssea, com várias informações e link para uma pesquisa onde você também pode fazer um pré-cadastro ao final, e Leucemia Zero no Brasil (ambas no Facebook), onde você pode ver quantas pessoas ainda estão a procura de um doador compatível, lutando pela vida.
  • Há também  grande necessidade de doadores de plaquetas.  Para isso, além de a pessoa atender todos os requisitos para a doação de sangue, ainda precisa ter uma veia bem calibrosa em cada um dos braços e disponibilidade de tempo. O processo da doação leva cerca de uma hora a uma hora e meia (é feito com agendamento). Na ocasião da doação de sangue ou cadastro de doação de medula você pode informar que gostaria de tentar ser doador de plaquetas.
  • Além dos requisitos normalmente divulgados para ser doador de sangue, existem outros menos divulgados e alguns critérios mudam esporadicamente. Por exemplo, quem fez exames como endoscopia e colonoscopia precisa esperar 6 meses para doar sangue; quem está em tratamento dentário não pode doar e tem que esperar uma semana após o término. Quem fez pequenas cirurgias também tem que esperar entre 6 meses a um ano. Na dúvida, é bom ligar para se informar. Mas para se cadastrar como doador de medula estes não são impeditivos. (Ver os requisitos na postagem Doação de Sangue e Medula Óssea)

Um lindo tesouro no céu

Mas acumulem para vocês tesouros no céu, onde a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração. Mateus 6:20-21



Uns dias atrás saí sozinha de carro para ir ao dentista. Estava um dia lindo de sol, e fui ouvindo uns louvores que ouvíamos ainda na gestação da Vitória. Foi estranho sentir a falta dela de uma forma tão intensa quando olhei para o banco de trás e vi o cantinho onde ela ficava em sua cadeirinha quando íamos à fisioterapia. Tudo vazio, em silêncio.


O espelhinho que eu deixava sempre aberto para olhar para ela, agora fica abaixado. Eu me sentia tão orgulhosa quando saía com ela! Ela ficava tão linda sentadinha, e eu via seu rostinho pelo espelho, uma mocinha. Minha princesa. À medida que ela foi crescendo, ela inventou de não querer mais ir na cadeirinha, e eu passava alguns apertos (risos). Às vezes eu conversava com ela, lhe explicava que era necessário ela ficar na cadeirinha, que era mais seguro, que eu estaria dirigindo e a tia Cida estaria com ela ali atrás. Algumas vezes ela realmente ficou mais calma e colaborou, especialmente no começo dessas conversas. Em outras não teve jeito, ela de fato não gostava e algo lhe incomodava em ficar presa com o cinto. Mesmo que eu fechasse o cinto da cadeirinha ou do carrinho bem devagarinho sem que ela percebesse, dali a pouco ela ia com as mãozinhas diretamente no cinto e ficava puxando, tentando tirar. E brava. Ela não gostava de nada lhe apertando (e eu também era assim quando criança, incrível, não?)




Enquanto eu dirigia ao som das canções, lembrava como aprendi a dirigir exclusivamente por causa dela. Eu tinha um verdadeiro pânico de dirigir, ficava nervosa, me atrapalhava, e mesmo tendo habilitação fazia de tudo para evitar pegar um carro e aprender pra valer. Mas por ela, valia a pena aprender o que fosse preciso, superar qualquer medo, pedir ajuda e treinar. Muitas vezes achei que não conseguiria, que era impossível superar essa dificuldade. Muitas vezes eu chorei e achei que estava tudo perdido. Que eu não era capaz de cuidar dela como ela precisava, e que era uma irresponsável em engravidar sem saber dirigir. Hoje eu rio dessas situações. Mas se ela estava ali comigo, tudo era possível e eu também podia me superar!

Aos trancos e barrancos aprendi - ainda tenho meus receios, não saio de casa sem ver todo o itinerário certinho no mapa, fico tensa se vou para lugares novos... mas acho que não estou tão mal assim.

Graças a minha gatinha. Ela se foi, mas quantas coisas boas ela me deixou! Isso certamente é algo pequeno, mas o que ressalto aqui são as coisas que ela mudou no meu coração. Há uma parte que dói e vai sentir saudades para sempre e nunca estará completa até reencontrá-la. Mas há outra parte que aprendeu com ela que é possível ser forte mesmo quando somos fracos. Que vale a pena seguir em frente e que nossa felicidade não depende de tudo ser perfeito. (Aliás, se esperamos por isso, como seremos infelizes!) Como eu mudei por causa dela, como valeu a pena lutar junto com ela e crescer com ela.

De vidros fechados e uma música que ajuda a elevar nosso coração a Deus (e saindo com bastante antecedência de casa!), também aprendi a não ficar tensa e irritada com o trânsito absurdo de São Paulo. Passei por muitos lugares por onde passava junto com ela, em nossas maratonas de médicos e terapias. E enquanto dirigia, ia cantando, adorando a Deus e lhe agradecendo. Reafirmando que sempre vou amá-lo e segui-lo. Meu coração se encheu de paz. E senti que Deus estava feliz por mim, como que me dizendo: "É tão bom te ver bem, sentir seu coração em paz".

Não é fácil seguir sem minha amada bebê junto comigo. Mas Deus nunca nos abandonou. Ele é o mesmo que sempre esteve ao nosso lado, e sempre estará. Isso me basta para continuar.






Às vezes me surpreendo com a forma como as pessoas falam tanto sobre termos mais um bebê, como se isso fosse uma solução mágica para preencher essa imensa saudade.

Nós sempre quisemos ter mais de um filho, antes mesmo da Vivi, e mesmo quando ela estava conosco, e ainda queremos, se Deus permitir, lhe dar um irmãozinho(a) ou mais de um. Mas tem sido muito especial me dar esse tempo necessário para chorar pela minha filha que partiu, para cuidar de mim mesma, cuidar do coração, das emoções, organizar a vida, e também descansar. E quando chegar o momento, quando Deus enviar um irmãozinho(a) para ela, poder me dedicar totalmente para mais esse presentinho de Deus, oferecendo a ele(a) o meu melhor. Como fizemos com nossa princesinha.

Às vezes acho que sinto um pouco de ciúmes por ela, com receio de que as pessoas a esqueçam, ou prefiram seu futuro irmãozinho(a), tamanha é a insistência. Já ouvi e li alguns comentários chatos, como "sua filha foi uma provação de Deus, mas o seu próximo bebê vai ser perfeito", "você pode ter outros filhos normais?", ou quando estou contando sobre como foi me despedir de minha filha "ah, mas você vai ter outro bebê, vai ser lindo!". E a pergunta que mais tenho ouvido recentemente é "vocês pretendem ter outro filho?". 

É claro que sim, por que não pretenderíamos? Mas, talvez somente outras mamães de anjos entendam isso, minha princesinha era perfeita, linda e normal. Mais do que as pessoas possam imaginar. Mais do que elas possam compreender.

Sou muito grata por todos os votos de termos mais filhos, por saúde para eles, por bênçãos e realizações na nossa vida em todos os sentidos. Sei que a maioria dos comentários vêm de corações muito sinceros e amorosos e isso é muito especial. É natural também a curiosidade das pessoas e é bom que sejam espontâneas e próximas. Mas às vezes (nem sempre), alguns comentários me incomodam um pouco. Fico pensando se as pessoas chegariam para uma mulher que acabou de perder o marido e lhe perguntariam: "você pretende casar de novo?" Ou quando ela estivesse chorando de saudade de seu companheiro que partiu há bem pouco tempo, alguém lhe dissesse: "Não chore, arranje outro marido!" Sei que a comparação não é perfeita, que filhos são diferentes de cônjuges, mas essa tendência que as pessoas têm de querer fugir da dor oferecendo uma substituição não faz muito sentido para mim. Tudo tem seu tempo e cada um tem seu tempo. E o amor por cada filho é único e insubstituível.



Muitas pessoas foram realmente tocadas com a vida da Vitória, e com toda a nossa história com ela, de amor, de fé e superação. É natural desejar todo o melhor para uma família que viveu tantos desafios e pôde enxergar amor, alegria e aprendizado em tudo isso. Eu já fiz isso muitas vezes, desejando muitas bênçãos, consolo e vitórias para pais que perderam um bebê.

Mas hoje, quando leio algum comentário de alguém dizendo que Deus vai nos recompensar por tudo o que vivemos (esse comentário também é frequente), paro e penso: Ele já nos recompensou! Não houve recompensa maior do que viver 9 meses com minha filha em meu ventre e mais 2 anos e meio junto com sua companhia, em poder amamentá-la, trazê-la para casa, deitar juntinho dela, em poder acalentá-la e vê-la se acalmar junto ao meu peito. Em podermos abraçá-la, o Marcelo e eu, e gritar: FAMÍÍÍLIA, e vê-la suspirar de alegria, toda dengosa. Em poder ter a certeza do quanto ela sentia, entendia e sabia que era amada. Em poder vê-la sorrir e andar de skate. Em aprender a enxergar além das aparências e imperfeições, percebendo o quanto fomos imensamente abençoados em tê-la como filha. E em poder entregá-la nos braços compassivos de Jesus, confiando que a partir daquele momento Ele cuidaria dela para mim.


A maior recompensa virá no dia em que eu puder reencontrá-la no céu e conversar com ela... e ouvir suas palavras e saber todos os detalhes especiais dessa história. Quantas vezes os anjos do céu observaram atentamente nossas brincadeiras e sorriram junto com ela? Quantas vezes Deus interviu no rumo da história por meio de todas as nossas orações? Quantas vezes Ele também chorou ao nos ver chorar, e mandou seu Espírito Consolador?

Deus enviou Jesus a este mundo para revelar o seu imenso amor por nós, e para morrer no lugar da minha princesinha, para lhe dar um novo corpo perfeito. Não existe recompensa maior!

No fundo, o que eu penso é que eu não perdi uma filha. Eu ganhei uma filha para a eternidade. Tenho um tesouro no céu.

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