Que teremos que morrer um dia, é tão certo como não se pode recolher a água que se espalhou pela terra. Mas Deus não tira a vida; pelo contrário, cria meios para que o banido não permaneça afastado dele. 2 Samuel 14:14
"A vida é uma realização; e o morrer, o final dessa realização. No turbilhão em que vivemos, não conseguimos, muitas vezes, encarar a vida como uma realização, muito menos a morte. Mas é isso que ambas são', decreta Madre Tereza de Calcutá."
"Há somente duas maneiras de lidar com a morte: não encarar o fato de que somos finitos ou outorgar-lhe um significado. Tanto a vida como a morte pedem por uma atitude pessoal que lhes dê um sentido. O tempo de vida, o passado, o presente e o futuro adquirem ritmo, orientação e valor diferenciado conforme as atitudes que tomamos e as escolhas que fazemos. Não morremos de uma vez para sempre, cada instante nos faz viver e morrer. (...)
'O sentido que damos à morte é o sentido que damos à vida. E o sentido que damos à vida é o sentido que damos à morte', escreve Leonardo Boff em Ética da vida. O nosso olhar para a morte depende do olhar que temos para com a vida." Vera Cristina Weissheimer
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Vitória recém-nascida - janeiro de 2010 |
Então ele disse: "Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino". Jesus lhe respondeu: "Eu lhe garanto: Hoje você estará comigo no paraíso". Lucas 23:42-43
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aniversário de 1 ano - janeiro de 2011 |
...com toda a determinação de sempre, também agora Cristo será engrandecido em meu corpo, quer pela vida quer pela morte; porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. (...) desejo partir e estar com Cristo, o que é muito melhor. apóstolo Paulo, em Filipenses 1:20-21; 23b
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Vitória em dezembro de 2011 |
Tive o imenso privilégio de passar os últimos três anos com
minha princesinha Vitória durante o Natal e o final de ano.
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9º mês de gestação da Vitória - dezembro de 2009 |
Primeiro ela estava na minha barriga, pequenina, mas já
serelepe e cheia de vida. Ela me trazia uma força que me encorajava diante ao
nosso futuro incerto. Talvez no próximo mês Deus a levasse assim que nascesse
em janeiro. Mas o amor tão profundo que havia surgido entre nós nos tornava
mais fortes que a dor e que as incertezas. A nossa união vinha de Deus e a
presença de Deus fazia as circunstâncias dessa vida se tornarem pequenas... entendi
melhor porque Davi dizia que Deus era a sua torre alta nos momentos de
tribulação. Quando estamos num lugar alto, a visão de algumas coisas que antes nos assustavam
mudam de proporção.
A certeza da eternidade oferecida gratuitamente em Cristo se
tornara algo real e maravilhoso quando víamos a morte diante de nós. Tudo que
eu havia estudado e crido na sua Palavra, estava prestes a se tornar real. Deus usou a minha Vitória de Cristo para me aproximar dele de uma forma nova, pura
e simples. A minha bebê me ajudou a descobrir um coração de criança, simples e
cheio de fé.
Parece que o ano realmente começou quando ela nasceu, dia
13/01/2010. E ela chegou tão suavemente, tão doce e amável. Pensamos que sua
estadia conosco seria breve, tamanha era sua fragilidade, mas não. Ela ficou conosco durante
todo aquele ano cheio de desafios.
Ela nasceu com a cabecinha toda aberta, e minha primeira reação
ao vê-la foi de que seria impossível viver naquela condição. Além de todas as
previsões médicas e alguns poucos relatos de que tinha conhecimento, sua
expectativa era de algumas horas de vida a poucos dias. Mas Deus e ela me
mostraram que aquilo que parecia impossível aos olhos humanos era possível sim
para Ele. Que nem sempre as previsões científicas se cumprem. Cada experiência é única. Não sabemos
porque tivemos esse privilégio e essa missão (e realmente não necessito de explicações). Mas
passamos cinco meses na UTI vendo milagres diários. Ela fez uma cirurgia que na
primeira semana de vida um neurocirurgião dissera que era uma possibilidade
absurda e nem mesmo registrou sua avaliação no prontuário dela - tamanho o desinteresse pelo seu caso.
No entanto, o absurdo aconteceu e ela enfrentou corajosa cada
desafio. A criança que todos diziam que não sentia nada e era só “reflexos” aprendeu a mamar, nunca aspirou leite, o
refluxo que diziam que era de origem neurológica e sempre existiria passou assim que ela chegou em casa.
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andando de balanço - dez. 2010 |
Ah! Receber aquela bebezinha pequenina e doce em meus braços
e trazê-la para casa foi um presente inigualável e maravilhoso. Tudo foi tão
surpreendente e imprevisível que os médicos já não ousavam fazer previsões,
muito menos previsões pessimistas. Ouvimos possibilidades como fazer uma nova
cirurgia entre 5 e 8 de idade, se fosse necessário. Ela parecia tão decidida a
viver e estava tão impressionantemente estável que tínhamos que nos preparar
para tudo, para amá-la e acolhê-la durante todo o tempo que ela ficasse conosco.
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Vitória na praia - dez. 2010 |
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Vitória na praia - dez. 2010 |
O ano passou tranquilo e feliz, passamos um natal especial
com aquela bebê que crescia linda, que comia papinhas, chorava, tentava
engatinhar se arrastando, adorava dormir recebendo carinho e abraços. Também enfrentamos desafios, preconceitos, dificuldades, mas tudo
se tornava pequeno perto da sua presença especial. Vieram os dentinhos, que
deram bastante trabalho, ela cresceu muito, estava uma criança grande, forte,
linda.
Mas no final de 2011 ela adoeceu inesperadamente e nosso
coração ficou despedaçado ao ver a nossa menina sofrer sem saber como ajudá-la,
como protegê-la e depois de tantos meses de felicidade ressurgiu o medo de perdê-la.
De um dia para o outro ela acordou reclamando muito e ficando pálida e abatida,
corremos para o hospital e à noite ela entrou em choque e foi para a UTI em
estado gravíssimo. Todos achavam que ela não sobreviveria ou ficaria com sérias
sequelas. Mas Deus deixou-a conosco contra todas as expectativas, mais uma vez.
Fez com que ela se recuperasse e a devolveu aos meus braços. Ela foi recebida
com muita alegria, muito carinho, beijos de gratidão e alívio.
Tivemos pouco tempo para respirar aliviados, e 2012 chegou
com um novo susto, quando na véspera de Reveillon ela começou a ficar estranhamente
inquieta. Dia 1º de janeiro estávamos no hospital. Ela parecia se sentir mal,
com espasmos que ninguém sabia dizer de onde e por que vinham. Diagnosticaram
como crises convulsivas e a possibilidade de uma nova infecção foi descartada,
com base nos exames. Para no dia seguinte ela entrar em choque séptico inesperadamente,
debaixo dos olhos dos médicos da UTI. Uma evolução rápida, e inesperada que pegou
a todos de surpresa. Vivemos os dias mais difíceis de nossas vidas.
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Dezembro de 2011 - Taquara - RS |
Mas ela se
recuperou mais uma vez, respondeu rapidamente a todas as medicações que recebeu
e voltou para casa em apenas 10 dias – mais uma vez surpreendendo a todos no
hospital em ver uma menina forte e cheia de vida e de reações. Porém doeu demais
vê-la sofrer e passar por procedimentos invasivos e dolorosos, como intubação,
passagem de cateter, sedação, sondas... tudo aquilo foi retirado rapidamente,
mas guardei em meu coração o sentimento de que ela não merecia e não precisava
passar por tudo aquilo mais uma vez.
Porém a preocupação e o medo passaram a rondar nossos
corações com a possibilidade de perdê-la, de vê-la sofrer, de não conseguirmos
cuidar dela como ela necessitava. Vieram as infecções urinárias recorrentes e
ninguém sabia nos dizer com certeza o que fazer para evitá-las. Foram momentos difíceis,
confusos, apreensivos... Não havia mais certezas e a única coisa que me parecia
certa era que tinha que amá-la de todo o coração em meio às adversidades, e que
devia entregar a sua vida nas mãos de Deus o tempo todo.
Nessas horas tudo que podemos fazer é amar e lutar. Não há o
que questionar, não há tempo para lamentar porque estamos ocupados demais
amando e lutando junto com uma pequena guerreira. Corremos atrás de tudo que
era possível para tratar infecções urinárias, diferentes medicamentos,
alimentação, sucos naturais, mudanças na higiene. Mas tudo foi ineficaz. A
levamos muitas vezes ao pronto-socorro por qualquer comportamento estranho ou
irritação, por qualquer suspeita de infecção, com o temor de que uma nova sepse
acontecesse. Passamos a fazer exames todas as semanas, muitos telefonemas para
a pediatra dela para passar os resultados, idas até o seu consultório pegar
receitas de antibiótico. Mas ela sempre estava bem, apesar de tudo, e as
infecções iam embora rapidamente assim como chegavam.
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maio de 2012 |
Finalmente em junho ela foi internada para tratar uma
infecção que a deixou realmente prostrada, e um uropediatra prescreveu o uso de
sondas de alívio para esvaziar a bexiga. Ficamos muito aliviados em encontrar
uma solução que ajudaria a prevenir eficazmente as infecções.
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maio de 2012 |
Nós pedimos incessantemente a Deus que fizesse o melhor para
ela, desde o início. Eu sabia que jamais teria a capacidade de cuidar dela sem
a direção e as forças de Deus. Quando muitos dizem que nem todos têm a
estrutura emocional e para cuidar de uma criança especial, realmente acho que é
verdade. Vou mais além. Ninguém tem essa estrutura emocional e condições de
encarar os desafios de amar, criar e educar um filho, com ou sem necessidades
especiais... sem que Deus dê força e direção. E Ele a dá, eu creio, mesmo a
quem não crê nele, mesmo a quem não o busca de uma maneira convencional, creio
que a vida e a força vêm do seu amor incondicional por nós. Eu jamais teria
condição. Se pensasse em ter uma criança especial, ficaria pasma, pensaria,
isso não é para mim, não sei o que eu faria. Mas é fácil dizer isso quando não
estamos com o nosso filho no ventre ou nos braços. E as forças surgem sabe-se
lá de onde, quando deixamos de olhar para nós e olhamos para aquele pequenino
bebê que precisa de nós.
Sempre deixei a Vitória em suas mãos e Ele sempre me ajudou
a cuidar dela. E chegou o dia em que Ele veio buscá-la e pediu que
entendêssemos e confiássemos que seria o melhor para ela. Foi o que eu senti em
meu coração. Nós confiamos. Com o coração partido e em lágrimas, vivemos o
momento que pensávamos que jamais chegaria, quando nós a entregamos em suas
mãos e a deixamos ir junto com Jesus. Simplesmente aceitamos e a deixamos
partir. Confiamos que Deus estava ali respondendo nossas orações pelo seu bem,
pela sua cura, pela sua felicidade. Ele a deixou ser feliz conosco por um tempo
maravilhoso, deixou-nos conhecê-la, amá-la, zelar por sua vida, mas chegou a
hora de partir. Ou de chegar...
Quando encerramos o sepultamento de seu corpinho na terra, quando dissemos o último adeus e cobrimos seu túmulo com flores, eu
senti muita paz. Senti que finalmente tinha cumprido a minha missão, tudo que me fora
proposto. Com a graça de Deus.
Mesmo com limitações e desafios ela foi uma criança feliz e
amada. Nos meses mais difíceis, quando ela começou a adoecer, ela nos presenteou
com seus mais belos sorrisos, com seus olhares inexplicáveis de uma criança que,
aparentemente, não tinha a visão, mas parecia estar o tempo todo enxergando com
os olhos da sua alma... Uma criança que não tinha a comunicação verbal, mas que
nos falava com os seus olhos, com seu rostinho perfeito e rico em
expressões, com seu corpinho roliço e delicado cheio de gestos e palavras não
pronunciadas... Uma criança que nos consolava e fortalecia sempre que a amávamos,
que nos encorajava toda a vez que segurávamos sua mãozinha delicada e macia. Que
nos abraçava a todo o momento com seu coração pequenino e puro. Quantos abraços recebemos!
Este ano, dezembro de 2012, ela já não está mais aqui com a
gente. A sua ausência dói. Ela está sempre em nossos corações, em nossos sonhos
- e nesse sentido, um filho nunca morre, porque jamais morrerá nos pensamentos,
emoções e lembranças de seus pais. Mas ela não está aqui, não como ela esteve
nos últimos três anos.
Porém quando ela chegou em nossas vidas, nos contou um
segredo. Quando estávamos apavorados e aflitos com o diagnóstico de acrania e
com as palavras incompatível com a vida, e os conselhos alarmantes de alguns médicos,
eu também quis ouvir o que ela tinha a me dizer, com seu coração. Aprendemos
com ela o poder de agradecer. Agradecíamos diariamente pela sua vida, pelo
privilégio de sermos seus pais, sem pensar que poderíamos “perdê-la” um dia, sem
pensar que poderíamos sofrer. Mas agradecemos por todas as coisas boas que
estávamos aprendendo e vivendo com ela. Agradecemos tanto, e ao aceitá-la e recebê-la
com muito amor e gratidão, ela se tornou nossa para sempre.
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novembro de 2012 - Canela, RS |
Por isso eu decidi continuar a agradecer. Agradecer pelos 3
anos lindos e inesquecíveis em que ela esteve aqui comigo. Por todos os
momentos felizes e belos que vivemos. Agradecer pelo privilégio de ela ter
nascido, de ela existir e ser minha filha. Agradeço a Deus pela história que
vivemos. Nem tudo foi bom. Em alguns momentos ela sofreu, e nós sofremos
juntos. Nenhum pai quer ver seu filho sofrer. Mas receio que querer proteger
seu filho de todo o sofrimento possível pode ter efeitos desastrosos. É só
olhar para o mundo e ver quantas pessoas são incapazes de lidar com frustrações
e perdas, incapazes de perdoar os outros e a si mesmas. Aprendemos muito com
estes momentos de sofrimento. Amadurecemos muito. Nos tornamos mais solidários
e compassivos diante do sofrimento dos outros. Aprendi muito mais a importância
de não julgar, de respeitar, de ouvir. De tentar me colocar no lugar do outro.
De amar. Não somos perfeitos e estamos a anos luz de distância de o sermos. Mas
estranhamente, eu me sinto mais completa e feliz, por ter vivido tudo o que
vivi.
Não vou lamentar o que não mais viveremos aqui com ela,
porque há tanto a agradecer pelo que foi vivido. E como ela sempre seguiu em
frente contra todas as adversidades, eu quero seguir em frente como ela. Ela
partiu decidida e em paz, deu-nos o tempo de entender e nos despedir, e nós a deixamos
ir. Porque a amamos de todo o nosso coração, nós pudemos deixá-la partir. E agora podemos seguir em frente, também em paz.
Ela não está aqui vivendo momentos especiais com a gente, as
festas, os passeios, as viagens... Mas eu carrego em meu coração a fé de que
ela está vivendo coisas maravilhosas com Jesus. Que no momento em que seu
coraçãozinho parou aqui nesta terra, Jesus a estava recebendo nos céus. Que ela
recebeu um forte e amoroso abraço e um grande sorriso e ouviu Jesus lhe dizer:
Bem-vinda, minha querida, como eu esperei pela sua chegada! Como eu te amo! Eu
dei a minha própria vida para você estar aqui. Como valeu a pena!
Desejo a todos os queridos amigos e leitores do nosso Blog
um feliz 2013, cheio de alegria, realizações, aprendizado, saúde e paz!
Que cada
um encontre seu caminho de felicidade e possa andar perto de Deus.
Sou imensamente grata por cada amizade, cada comentário,
cada manifestação de carinho e desejo que Deus abençoe a vida de todos os que nos lêem!
Com muito carinho,
Joana e Marcelo
Em amorosa memória da princesinha Vitória de Cristo
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nós, novembro de 2012 - Canela, RS (e nossa menininha em nossos corações) |
* Citações bíblicas - tradução NVI : para reler os versículos de onde foram extraidos, compreendendo melhor todo o contexto, consulte a Bíblia online
Weissheimer, Vera Cristina. "Eu vi as tuas lágrimas": amparo e consolo no sofrimento, p. 102. Ed. Sinodal, 2009.