Domingo nossa pequena completou 14 meses de vida. Os últimos dias passaram correndo enquanto ela brigava com a dor nas gengivas. Parece que muitos dentes estão a caminho e vêm a galope, especialmente à noite, quando ficam pisoteando suas gengivas inchadas e fazendo-a acordar chorando. E não há pomada ou pozinho suficientes para aplacar a dor. Mas analgésico e colinho de mãe ajudam um pouco.
O resfriado parece ter sido uma reação dos dentes mesmo e passou em poucos dias. E eis que o dia treze passou também correndo por nós e deu um rápido alô enquanto estávamos com a Vitória no colo, um pouco mais calma, mas ainda bastante sensível.
Hoje ela finalmente estava mais tranquila, está um pouco chorosa, com pouco apetite, mas conseguiu dormir bastante. E mais um mês se passou e não posso deixar de escrever que a Vitória vive e que nós a amamos imensamente!
Quando descobrimos a malformação da Vitória, nunca recebemos qualquer esperança de que, talvez, houvesse uma ínfima chance de sobrevivência. Nem 0,1%. Apenas zero. Deveríamos nos preparar para a despedida. Nunca foram feitas considerações sobre a possibilidade de sobrevivência, sobre como seria se ela conseguisse enfrentar todos os desafios e ficar.
Pois bem.
Quando ela nasceu, vocês já conhecem a história... ela enfrentou muitos desafios, mas demonstrou ter total condição de viver, sem necessidade de aparelhos ou remédios. Ela simplesmente começou a respirar e aqui está até hoje, fofinha, crescendo, nos surpreendendo. Passou por momentos difíceis, é verdade, mas sempre respondeu rápido aos tratamentos, sempre lutou, sempre quis viver. E damos graças a Deus, pois sabemos que Ele quem permitiu que ela tivesse estas condições, Ele permitiu que ela vivesse e cremos que Ele tem um propósito muito especial para ela estar aqui conosco hoje. Temos recebido muito de Deus, somos muito abençoados pelo privilégio de sermos pais da Vitória.
Foi uma grande festa ver que as horas foram passando, e depois os dias, as semanas, e ela continuava conosco, enfrentando as infecções, as anemias, a instabilidade que sua condição trazia, reagindo aos tratamentos... Vocês não podem imaginar como cada momento e cada pequena atividade que fazíamos com ela eram emocionantes. A hora em que a pegávamos no colo era um momento mágico. Havia toda uma preparação, um cuidado extremo, lavávamos as mãos, passávamos álcool gel, pegávamos uma fralda de pano impecavelmente limpa para ela encostar o rostinho. E já com ela em meus braços, parecia que o tempo parava, nada mais importava, e ficávamos lá, em silêncio, sentindo uma a respiração da outra, apenas ouvindo o tic-tac do relógio, mas parecia que aquele instante nunca mais terminaria. Tudo era motivo para tirar fotos ou para fazer um vídeo. Ela abriu os olhos. Ela fechou a mão. Ela mexeu o braço. Ela virou o rosto. Ela suspirou. Espirrou. Tossiu. Hora de trocar a fralda. Hora de dar banho. Hora de limpar o umbigo. Eu ia correndo todas as manhãs para o hospital ansiosa por estes momentos. Dar banho nela era um momento sublime. No começo eu era meio desajeitada, ela era tão pequenina, tão frágil e delicada... Tinha o curativo na cabeça, tinha a sonda, o sensor do oxímetro no pezinho... as enfermeiras ajudavam e era muito gratificante e emocionante poder cuidar dela. Sentia-me feliz, muito feliz em poder fazer qualquer coisa por ela, e poder ajudar as enfermeiras naquilo que não conseguia fazer sozinha. Sentia-me feliz em ser mãe! Sentia-me plenamente realizada. Plenamente feliz. Às vezes parecia que ia explodir de tanta felicidade. Cada momento era totalmente graça de Deus, sem que pudéssemos fazer nada para merecermos estar ali, para fazer com que a Vitória estivesse viva. Sabíamos que cada segundo de vida era um milagre e vivíamos com a alegria e a gratidão de quem está vivendo um milagre.
Havia desafios, momentos difíceis em que chorávamos e ficávamos apreensivos... mas posso contar nos dedos os dias que foram realmente tristes, difíceis ao ponto de não termos momentos prazerosos e alegres com ela. Na maioria das vezes, mesmo quando ela não estava muito bem, podia pegá-la no colo e acalentá-la, e ela ficava bem calminha e tranquila, e sentíamos paz mesmo em meio às dificuldades.
Às vezes, sim, ficávamos muito aflitos, pois como havia uma grande parte de sua cabeça em que não havia pele, ela estava muito vulnerável a infecções, e tratar as infecções era doloroso, ela precisava ser puncionada na veia, levar injeção, isso partia nossos corações. Também era desconfortável para ela usar sonda, incomodava aquele esparadrapo colado na sua boca que era tão linda, mas que quase não podíamos ver como era... E na hora de trocar a sonda, ela nauseava, chorava, e isso também nos entristecia.
Lembro que vivíamos momentos muito especiais andando de carro pela Marginal Pinheiros a caminho do hospital para passar o dia com nossa amada Vitória. Começávamos a orar pedindo a Deus que cuidasse da Vitória, que a protegesse de todas as infecções, que nenhuma bactéria conseguisse atacar seu corpo, que seu sistema imunológico se fortalecesse... também orávamos para que Deus fizesse a cabeça dela se fechar, que surgisse pele, osso, que algo milagroso acontecesse, ou que surgisse alguma forma de se fazer uma cirurgia para proteger a região aberta que era muito extensa. Também pedíamos que ela conseguisse mamar e não precisasse mais usar sonda, e que conseguisse respirar sem ajuda de oxigênio... à medida que orávamos, entregávamos nossa ansiedade para Deus e Ele nos entregava a sua força, a sua coragem, a sua paz ao nos mostrar que estava no controle de tudo. Depois de orar, ligávamos o som e ficávamos cantando canções de louvores a Deus bem alto o resto do caminho. Sentíamos uma felicidade, uma paz e uma alegria contagiantes, entrávamos na UTI sorrindo, cumprimentando as enfermeiras, e quando finalmente encontrávamos a Vitória, era uma alegria.
Às vezes, é verdade, eu chegava um pouco preocupada, entrava e já perguntava como ela havia passado a noite, se tinha tido alguma intercorrência, se o resultado do exame de sangue havia chegado... e enquanto eu conversava com a enfermeira, de repente a Vitória acordava e começava a se mexer no berço, a virar a cabeça pra lá e pra cá... percebíamos que ela estava reconhecendo a minha voz. Eu ia até ela e perguntava como ela estava, como havia passado a noite, se estava bem, e ela ficava bem quietinha, com os olhinhos abertos, como quem dizia, minha mãe chegou, vou receber carinho!
Às vezes parecia que o tempo demorava a passar. Um mês. Dois meses. Três meses. As infecções se repetiam, os tratamentos, a rotina hospitalar... Lembro que num determinado momento eu me senti muito cansada de tudo aquilo, desejava sair daquele hospital, estar em casa, poder passear com minha filha, poder ter uma vida normal. Aquilo parecia impossível. Lembro que muitas vezes oramos para que ela não tivesse mais infecção, mas após alguns dias ela ficava novamente doente... tinha que ser novamente puncionada várias vezes para receber antibiótico... era muito, muito cansativo.
Em alguns momentos eu passei a me perguntar: e agora, o que vai acontecer? Vai ser sempre assim? Ela vai ser sempre esse bebezinho, com estas mesmas reações, com estes mesmos cuidados? Ela demorou muito para crescer e ganhar peso, ficou quatro meses usando roupas RN, pegando infecção todo o mês.... Eu pensei: será que um dia eu vou cansar de ser mãe dela? Será que não vou ser feliz? Será que nunca mais vou poder viajar, vou passar o resto da minha vida dentro de um hospital?
Ou vou ficar pra sempre confinada em casa com uma criança doente? Mas, não quero que ela morra, se for preciso vou cuidar sempre dela e ajudá-la a viver. Mas não quero que ela sofra, quero que ela seja feliz! Será que ela vai ser feliz? Se eu pensasse no futuro, ficava angustiada sem conseguir responder a tantas perguntas. Mas, o presente, sim, eu tinha condições de enfrentar o presente.
Cada dia valia muito a pena. Chegar na UTI e ver aquele rostinho fofinho, aqueles olhinhos tão doces, pegar aquela bebezinha cheirosa no colo e senti-la se aconchegar no meu peito... Eu simplesmente queria estar o tempo todo perto dela e dizer a ela que eu a amava muito.
A própria Vitória respondeu às minhas perguntas. O seu ritmo podia ser um pouco diferente, os cuidados um pouco maiores, mas não, não seria sempre a mesma coisa, não seria frustrante ser sua mãe. A cada novo mês havia uma novidade, uma reação diferente, uma mudança no comportamento, na aparência... E o mais incrível, tudo era uma grande surpresa. Ninguém conseguia prever o que aconteceria, que reações ela teria, que desafios enfrentaria. Fomos preparados para a morte, e quando a morte não veio, fomos preparados para o pior, para uma criança sem reações com uma vida muito curta... Mas, ao contrário, tudo era muito emocionante, muito intenso e muito, muito belo. E ainda é!
Parecia que nada estava acontecendo, mas, quando nos demos conta, sim, estava crescendo pele na sua cabeça, e sim, era possível fazer uma cirurgia, e sim, era possível mamar e tirar a sonda, e sim, era possível ficar sem oxigênio, e sim, era possível ir para casa, e sim, era possível ter uma vida “normal”. Ou melhor, mais que normal, uma vida muito, muito especial.
Como está escrito na introdução deste blog, é uma grande alegria tê-la conosco, por mais que algumas pessoas não compreendam, por estarem um pouco à distância dos acontecimentos. E não falo de distância física. Algumas pessoas podem estar muito perto de nós, mas sem conseguir se envolver e participar da grande emoção que é estar com a Vitória. E alguns estão muito longe, mas se tornam tão próximos ao vibrar com as vitórias, e chorar com as dificuldades, e perceber o quão valiosa esta criança é.
E assim tem sido desde sempre. Quando menos esperamos, uma novidade. A Vitória já mudou muito desde que veio para casa. No começo, quase não chorava, dormia muito, não dava muito trabalho. Mas havia a maratona de tirar leite materno, esterilizar utensílios e mamadeiras a cada três horas, fazer papinhas, sucos, tudo novidade. Ela era muito pequenina e eu tinha medo até de levá-la para a sala! As primeiras vezes que saímos ficamos muito inseguros e atrapalhados. As novidades foram surgindo. Novas expressões: sorriso, choro, dor, braveza. Novos sons: agora ela começou a fazer um aguuuuh quando está com dor, tem um vasto repertório de choros e gritos, além de diferentes sons que faz com a garganta quando quer dizer que está brava, que está fazendo cocô, que precisa trocar a fralda, que acordou e quer chupeta, quer colo... também tem uma linguagem corporal interessante, por exemplo, quando vai no colo de alguém que estranha, fica virando a cabeça pra trás, as pessoas não entendem e até acham que ela está brincando, mas ela está é pedindo socorro, pra sair dali!
Agora vieram os dentes, ela passou uma semana bem difícil, com muita dor, muito irritada, teve dias que estava muito inquieta e só queria ficar no colo, e também teve noites em que ninguém dormiu direito, pois ela estava super incomodada. Precisei dar analgésico, passar pomadinha na gengiva, teve dor de barriga, remédio para gases, bolsa quente na barriguinha, um alvoroço! O segundo dentinho rasgou a gengiva, mas acredito que os incisivos superiores estão para romper, e também já consigo sentir os molares por baixo da gengiva em cima e em baixo! Pobre Vitória, que transformação na sua boquinha!
Também tem os progressos no desenvolvimento motor, são lentos, mas muito gratificantes e acreditamos que ela tem um grande potencial e vai superar muitas expectativas. Agora ela começou a ficar de pé no nosso colo, normalmente quando está brava, fica com os pezinhos apoiados nas nossas pernas, brigando, agarrando a gente.
Enfim, são muitas mudanças, muitos detalhes, por mais que eu tente descrever, é difícil transmitir tantas sutilezas, tantos sentimentos e mudanças que nós como pais percebemos.
Mas posso afirmar com convicção que é uma grande alegria e uma grande bênção ser mãe da Vitória. E a mesma coisa o Marcelo também repete todos os dias, que é um pai muito abençoado por ter uma filha tão maravilhosa.
Infelizmente, sei que muitas pessoas, ao conhecerem a Vitória, podem pensar o contrário, e acharem muito triste o fato de ela ter nascido com um problema, e ser uma criança diferente, com algumas deficiências, e sentirem pena, e pensarem, ou até dizerem, graças a Deus que meu filho nasceu perfeito. Confesso que isso me entristece. Mas acredito que trata-se de um preconceito, que vem sempre acompanhado de ignorância. De seguir um senso comum, uma ideia pobre e preconcebida que vem sendo arrastada entre gerações, de que ter uma criança com deficiência é algo muito triste, muito vergonhoso, que a criança será sempre um peso, dará muito trabalho e não irá retribuir, não irá se tornar uma pessoa produtiva e ativa na sociedade. O que dói muito em meu coração é ouvir alguém dizer: não sei se eu teria a mesma coragem de vocês... de continuar com a gravidez? Sei que ninguém comenta isso com intenção de ofender, mas, se pararem para pensar, é algo horrível, é como se estivessem dizendo, não sei se a vida de sua filha vale a pena, não sei se não teria sido melhor matá-la!
Fico muito feliz que tantas pessoas se sintam tocadas pela história da Vitória e se abram para conhecer sua vida, e aprender com sua condição, e refletir sobre o propósito de suas próprias vidas. Espero que desta forma mais e mais pessoas possam mudar sua forma de pensar, e ver o quanto vale a pena amar um bebê independente de sua expectativa de vida. Que vejam o quanto vale a pena amar e lutar por uma vida não importa quantos desafios haja pela frente! O quanto é importante respeitar a vida em qualquer circunstância.
Nós é que decidimos se a vida de uma criança será um peso ou uma alegria, e isso não depende de ela ser perfeita ou não, isso depende se conseguimos enxergar o verdadeiro propósito daquela vida e o quanto somos abençoados em poder nos doar e amar, em vez de simplesmente ficarmos voltados para nós mesmos, em nosso próprio egoísmo, esperando apenas receber.
Nossa caminhada com a Vitória tem sido sempre impulsionada com muito amor, fé e alegria, e nós olhamos para o futuro com esta mesma motivação, e sorrimos para ele. Existem momentos de sofrimento, de ansiedade e preocupações. Mas, pergunto, que mãe e que pai que não enfrentam estes sentimentos com qualquer criança?
Sim, os desafios são diferentes. Ela precisa de mais ajuda, de fisioterapia, fono, aparelho de audição, exames de vez em quando, e não sabemos como será seu futuro. E no fim das contas, acho maravilhoso que os médicos não saibam dizer como será o futuro da Vitória. (Porque na verdade eles não podem saber com certeza como será o futuro de ninguém!) E temos total liberdade de lutar, de ter fé, de acreditar no impossível.
Eu tenho certeza que o futuro dela será muito emocionante, muito surpreendente e muito lindo. E isso não depende de suas deficiências, isso depende de como nós vamos nos portar diante dos desafios. Isso depende do quanto vamos lutar. E nós não estamos lutando sozinhos. O nosso Deus está conosco, a nossa frente, treinando nossas mãos e nossos pés para a batalha. E deu a ela o nome de Vitória e Cristo.
Hoje nossas orações são diferentes. Os desafios são outros, diferentes do que quando ela nasceu. Muitos parecem intransponíveis, é verdade. Mas os que já superamos também pareciam.
Hoje, nossa filha tem um ano e dois meses. E quando ela acorda de manhã, eu sou tão grata a Deus de poder pegá-la em meus braços (agora sem precisar toda a hora lavar as mãos e passar álcool gel). E já com ela em meus braços, parece que o tempo para, e nada mais importa, e ficamos em silêncio, sentindo uma a respiração da outra.
Vocês não podem imaginar como cada momento e cada pequena atividade que fazemos com ela são emocionantes. Tudo é motivo para tirar fotos ou para fazer um vídeo. Ela está de olhos abertos. Ela está com as mãozinhas juntas. Ela está tentando engatinhar. Ela espirrou. Ela sorriu. Nasceu um dentinho. Nasceu mais um dentinho.
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nesta foto dá para ver um pouco os dois dentinhos que já nasceram |
Sinto-me feliz em ser mãe! Sinto-me plenamente realizada. Plenamente feliz. Às vezes parece que vou explodir de tanta felicidade. Cada momento é totalmente graça de Deus, sem que tenhamos feito nada para merecermos estar aqui, para fazer com que a Vitória esteja viva. Sabemos que cada segundo de vida é um milagre e vivemos com a alegria e a gratidão de quem está vivendo um milagre: muito emocionante, muito intenso e muito, muito belo.