"Amar é ter um pássaro pousado no dedo. Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que, a qualquer momento, ele pode voar". Rubem Alves
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(Fotografia: Beth Santos - CMS Photography) |
"Quando o Senhor levou Elias aos céus num redemoinho aconteceu o seguinte: Elias e Eliseu saíram de Gilgal, e no caminho disse-lhe Elias: "Fique aqui, pois o Senhor me enviou a Betel". Eliseu, porém, disse: "Juro pelo nome do Senhor e por tua vida, que não te deixarei ir só". Então foram a Betel. Em Betel os discípulos dos profetas foram falar com Eliseu e perguntaram: "Você sabe que hoje o Senhor vai levar para os céus o seu mestre, separando-o de você? " Respondeu Eliseu: "Sim, eu sei, mas não falem nisso".
(...)
De repente, enquanto caminhavam e conversavam, apareceu um carro de fogo, puxado por cavalos de fogo, que os separou, e Elias foi levado aos céus num redemoinho. Quando viu isso, Eliseu gritou: "Meu pai! Meu pai! Tu eras como os carros de guerra e os cavaleiros de Israel!" E quando já não podia mais vê-lo, Eliseu pegou as próprias vestes e as rasgou ao meio. Depois pegou o manto de Elias, que tinha caído, e voltou para a margem do Jordão. Então bateu nas águas do rio com o manto e perguntou: "Onde está agora o Senhor, o Deus de Elias?" Tendo batido nas águas, essas se dividiram e ele atravessou. 2 Reis 2:1-14
Quando Vitória ainda estava conosco, um dia me peguei pensando sobre como seria quando ela tivesse que partir. Sim, porque por mais que não pensemos nisto, tanto nós, como nossos pais, nossos irmãos, nossos filhos, todos, sem exceção, morreremos. Assim como nossos filhos especiais. Só não gostamos de pensar nisto. E eu não queria pensar nunca sobre como seria perder minha amada filha. Queria saborear cada dia da sua vida comigo sem escurecer nossa felicidade com pensamentos tristes, sem preocupações, dentro do possível. Como será o futuro? Não sei, mas até aqui Deus nos conduziu, certamente não vai nos desamparar no tempo que chamamos de futuro. Mas então um dia meus olhos passaram por essa passagem da Bíblia que conta sobre o profeta Elias. Conta o texto bíblico que ele foi um homem que andou tão perto de Deus que não enfrentou a morte, mas foi levado diretamente aos céus. Então me peguei pensando, como gostaria que quando minha filha partisse, fosse desta forma. Que Deus viesse buscá-la e eu a entregasse a Ele, com uma malinha de viagem e recomendações: ela é friorenta, gosta de dormir de bruços, adora suco de maçã. Eu lhe daria um abraço bem apertado, a encheria de beijos e lhe diria: agora vá com Jesus, fique a brincar feliz no céu, e espere pela mamãe. E então ela subisse num carro de fogo e fosse levada aos céus enquanto eu lhe acenasse até a perder de vista... Ah, que bom se pudesse ser assim a morte! Como a despedida para uma longa viagem, mas sem doença, sem dor, sem um corpo desfalecido e já sem vida em nossos braços.
Também me identifiquei muito com Eliseu, o discípulo de Elias, que mesmo sabendo que a partida de seu mestre estava próxima, não queria falar sobre o assunto. Ele queria aproveitar cada instante ao lado de Elias durante seus últimos dias na terra, sem sair de perto dele um único momento. Mas não queria pensar que aqueles eram os últimos dias. Não queria que ninguém o lembrasse disso. Assim também fui eu durante toda a vida de minha filha. Ela estava viva e não queria falar de sua morte. Não queria que me falassem sobre aceitação, sobre despedidas. Mas sabia, em meu coração, que esse dia um dia chegaria.
Em silêncio, algumas vezes, pedi a Deus que quando esse momento chegasse, permitisse que fosse como a partida de Elias, suave, envolta por sua presença de amor.
Há três anos, neste momento, nossa amada Vitória estava vivendo suas últimas horas de vida nesta terra. Estava concluindo sua missão, seu bom combate, estava se despedindo. Na verdade acho que ela já estava mais no céu do que aqui. Estava na UTI, ligada a um monte de aparelhos desde o final da manhã, após algumas das horas mais difíceis de nossas vidas e principalmente da dela, quando acordou pela manhã passando mal, com febre altíssima. Após pela última vez, de uma vez por todas, passar pelo doloroso processo de entrar numa UTI, passar cateter, entubar por causa de um doloroso e inexplicável choque séptico.
Eu já não estava em pânico como das outras vezes. Eu estava tão cansada, assim como ela. Eu estava completamente rendida a Deus, sem ação. Eu somente disse a ela como das outras vezes: "Meu amor, se você quer ficar e lutar, estou aqui ao seu lado e vou lutar junto com você sempre. Mas se você quer descansar, você está livre para partir junto com Jesus. A mamãe vai ficar bem e um dia vai te reencontrar. Você pode ir em paz".
A tarde passou lentamente enquanto ela dormia tranquilamente devido à sedação. Mas o silêncio não me enganava, vendo o saco de coleta da urina ainda vazio após horas recebendo soro e o aparelho de pressão que dava erro de leitura a cada nova medida. O choque estava avançando em seu corpo cansado de tanto lutar.
Ao final da tarde, após receber os resultados dos últimos exames de sangue, Dra. Carolina veio conversar conosco. O choque já havia atingido os rins, que não estavam filtrando adequadamente o sangue - já havia indicação para diálise. Foram feitas tentativas com diferentes medicações para ajudar a pressão a subir e os rins a funcionarem, sem sucesso. Algum tempo depois a médica veio conversar novamente conosco. Para realizar a diálise (que eu sempre temi e pedi a Deus que nunca fosse necessário), a pressão precisava subir, caso contrário ela não resistiria ao procedimento. Só nos restava esperar. Assim que ela saiu, Marcelo e eu nos demos as mãos e oramos. Clamei a Deus em lágrimas por misericórdia. Por favor, não permita que ela sofra mais, ela é tão pequenina, tão doce, tão pura. Preferia eu passar por tudo isso, mas ela não... Faz sofrer a mim, mas não mais a ela. Tem misericórdia, Senhor.
Fui avisar minha sogra, que aguardava na sala de espera, sobre a gravidade do quadro dela. Também choramos, nos demos as mãos e oramos. Quando fazíamos esta oração, Marcelo apareceu na porta da UTI. Chamava-me pois ela estava apresentando bradicardia: uma diminuição importante da frequência cardíaca.
Fui correndo com ele até o quarto. O monitor mostrava seu coraçãozinho desacelerando, dos 130-140 bpm normais, caía para 80~70bpm. A médica apareceu enquanto a frequência continuava caindo, 60~50 bpm, depois tornava a subir um pouco. Ela já estava com muitas drogas fortes responsáveis por fazer subir a pressão e fortalecer o coração. Acho que todas possíveis. Percebi uma movimentação, algumas enfermeiras entraram no quarto com um carrinho e materiais. A enfermeira-chefe pediu que saíssemos e aguardássemos lá fora.
Então percebi o que estava acontecendo e em lágrimas, disse à médica: "Preciso fazer um pedido". Todos pararam e me olharam. "Se o coração dela parar, não quero que ela seja reanimada. Não quero que sejam feitos procedimentos que venham a lhe causar mais dor. Não quero prolongar seu sofrimento. Quero que ela tenha uma morte digna, assim como teve um nascimento digno. Assim como permiti a ela nascer e viver, agora quero respeitar a sua hora de morrer".
A médica explicou que essa desaceleração do coração já era um ritmo de parada e que não poderia nos garantir que não a machucariam para fazer a massagem de reanimação. Que de fato ela não estava respondendo a nada, parecia não ter mais energia para reagir como das outras vezes. Marcelo ainda estava confuso. Conversamos bastante. Marcelo perguntou à médica o que ela faria em nosso lugar. Ela disse que não era mãe mas que, se fosse, achava que tomaria a mesma decisão que eu estava tomando. Conversamos por um longo período, talvez mais de trinta minutos - o que dentro de uma UTI pediátrica cheia é bastante tempo. Dra. Carolina já havia acompanhado Vitória nos dois choques anteriores dos quais ela se recuperara rapidamente, e havia cuidado dela com todo o carinho e respeito. Ela disse que nós havíamos ensinado a ela e a toda a equipe o quanto Vitória era capaz, desde a primeira vez em que ela chegou a UTI e ninguém sabia exatamente o que pensar de uma criança com diagnóstico de anencefalia que brigava tanto enquanto tentavam lhe passar um cateter para receber medicamentos. Que se recuperara tão rápido e recebera alta respirando, comendo, interagindo conosco. Disse que se alguém tivesse dito que não valia a pena entubá-la e trazê-la para a UTI, ela não teria aceitado, pois tinha aprendido conosco o quanto ela precisava dessa oportunidade pois sim, tinha condições de responder. E nas duas vezes em que ficara internada, ela voltou para casa bem, com uma vida boa, feliz. Mas que agora os sinais que ela mostrava é de que não tinha mais reserva para reagir, mesmo entubada e com todas as drogas possíveis para reverter o choque. Com a voz embargada de choro e os olhos marejados, a médica disse: mas ela ainda está aqui, não sabemos por quanto tempo, não sabemos por quantos dias, ela pode reagir, vamos fazer todo o possível para que ela fique bem. Por fim todos concordamos em não interferir com procedimentos mais agressivos como uma reanimação, apenas lhe oferecendo todas as medicações possíveis para sua melhora e sedativos pelo cateter para que ela não sentisse dor.
Uma a uma, as enfermeiras vieram me abraçar. Uma delas falou algumas palavras me parabenizando. Todas foram saindo lentamente, em silêncio. A médica também nos abraçou e nos deixou a sós com nossa menina. Ela dormia serenamente, não apresentava nenhum movimento, eu apenas segurava sua mãozinha ainda quente, completamente imóvel. Ficamos ali, nós três junto dela, Marcelo, eu e minha sogra, Cida. A beijamos, fizemos carinho em seu rosto, em suas mãos, em seus pés. Não lembro bem, mas acho que cantamos. Ela apenas dormia enquanto o respirador mandava oxigênio para seus pulmões e diversas bombas de infusão injetavam drogas por meio do cateter ligado a seu pescoço. Passou-se não sei quanto tempo, talvez 1 ou 2 horas. Fizemos algumas poucas ligações para nossos familiares e para um casal de amigos avisando que ela estava partindo.
Chequei sua temperatura pela última vez, 35,8º C. Ela havia tido um quadro de hipotermia severa poucas horas antes devido ao choque, fazendo pouco mais de 33 ºC, e só se aqueceu com uso de uma manta térmica que agora estava desligada. Liguei a manta térmica novamente, e era como que um barulho de vento, e eu sentia o ar soprando ao redor do seu corpinho enquanto estava ali, debruçada sobre ela. Continuamos ali ao seu lado, lhe dizendo palavras de amor. Deixei minha sogra ficar ao lado de sua cabeceira um tempo, junto do Marcelo. Ela também chorou, se despediu, vai com Deus minha netinha. Te amo!
Seu coraçãozinho ia diminuindo o ritmo lentamente... Como se cada vez ela estivesse mais longe e mais longe, e aquele barulho de vento me lembrava a presença do Espírito de Deus lhe envolvendo. Por alguns minutos parecia que estava em uma outra dimensão do tempo e do espaço. Vai com Deus, meu amor, minha filha, minha menina, voa, você é livre, voa seu voo para a eternidade.
Aqui a morte não reina mais, você pertence a Cristo. Você é livre! Voa bem alto, meu amor, vai com Deus! Aqui não há mais desespero. Aqui não há mais medo. Aqui a morte não está lhe arrancando de nossos braços violentamente, mas eu é que estou a te entregar delicadamente, com todo amor, nos braços de Jesus. Aqui a morte é suave porque é apenas uma sombra da morte, é apenas um sono merecido pra quem tanto batalhou. Voa, voa, você é livre! Você foi criada para voar, para voar bem alto. Como te amamos! Como você nos ensinou. Te amamos, te amamos... Lembra aquela festa que eu lhe disse que seria feita no céu para te receber quando você nasceu? Sim, haverá uma festa no céu para festejar sua chegada, e você nunca vai estar sozinha, como eu sempre te prometi.
Marcelo a abraçava enquanto seu coraçãozinho batia cada vez mais devagar, 40~30, 30~20, 20~10. Como a contagem regressiva para sua partida. Marcelo se debruçou sobre seu rosto e a entregou a Jesus. Ela fez um movimento com o rosto e a boca como se tossisse - como se fosse ali sua alma saindo de seu pequeno e adoecido corpo. E então ela se foi. Para sempre. Para o que chamamos de sempre nessa vida.
Como um passarinho que aprendeu a voar, não fazia mais sentido segurá-la em nosso ninho. Senão a proteção e o amor se tornariam prisão. Ela sempre foi livre para ficar ou partir, e isso também era amor. Por dois anos e meio ela ficou, como um pássaro que se limita a pousar pertinho da gente e ali ficar, quietinho a ganhar carinho, mesmo sabendo que pode voar e ganhar o céu. Mas então, de um dia para o outro, ela simplesmente se foi. Na noite anterior ela estava em casa conosco, nos meus braços enquanto eu velava o seu sono de criança. E no dia seguinte ela estava partindo para sempre.
Chamamos a médica que confirmou que ela não tinha mais pulso. Era por volta de 9h30 da noite. Pediram que saíssemos por alguns instantes para tirarem dela todos os fios, todos os tubos. Logo nos chamaram e nos deixaram novamente a sós. Seu corpo estava envolvido em um lençol branco e seu rosto, completamente sereno. Alguns amigos e familiares começaram a chegar. Chegavam sérios e respeitosos mas logo percebiam a atmosfera de paz e leveza em que estávamos envolvidos. Sorríamos, chorávamos e nos abraçávamos. Cerca de meia hora depois uma enfermeira veio nos explicar que seríamos encaminhados ao Morgue, no segundo subsolo, após a médica liberar uma declaração de óbito para providenciarmos o sepultamento, para evitar a aglomeração de pessoas na UTI. Duas enfermeiras vieram levar seu corpo empurrando a própria cama do hospital, e fomos acompanhando. Antes demos um abraço caloroso na Dra. Carolina, lhe agradecemos por tudo. As enfermeiras já iam entrando no elevador e fui correndo atrás, como se não pudesse deixá-la ir sozinha, como sempre fazia em todas as internações e procedimentos. Muitas pessoas permaneceram conosco até que pouco a pouco os últimos amigos se despediram. Já alta madrugada, fui até em casa com minha sogra para tomar um banho e logo voltamos. Continuei ao seu lado, segurava sua mãozinha, a rodeei de bichinhos de pelúcia, tirei as últimas fotos. Tentei dormir em alguns momentos num sofá que havia na sala ao lado, sem muito sucesso. Fechava os olhos e as lágrimas fluíam lentamente pelos cantos dos olhos. Até que, finalmente, quando o dia amanheceu o carro da funerária chegou para levá-la. Fomos seguindo o carro até o cemitério, onde durante a manhã ocorreu o velório e então sepultamos seu pequeno corpo na terra. Aquele corpo que fora gerado em meu ventre, perfeito a não ser pela ausência do crânio, que impediu o desenvolvimento de seu cérebro. Aquele mesmo corpo que dentro de mim se aninhou e se nutriu por 38 semanas. Que eu cuidei, limpei, alimentei a acarinhei durante 2 anos e meio. Que dia após dia carreguei em meus braços, do qual nem um dia sequer me afastei. Era uma parte de mim que eu ali sepultei também. Uma parte de mim também morria. Mas outra renascia para uma nova vida.
Este foi seu fim e estive a seu lado, do início ao fim. A protegi e zelei por sua vida e por seu bem-estar, até que Deus veio buscá-la. Não mais resisti. A entreguei a Deus porque não estava conseguindo mais garantir seu bem-estar, sua felicidade nessa vida com seu corpinho cansado de tanto lutar e crescer apesar de tudo. E assim eu encontrei a paz.
Algumas vezes, depois que ela se foi, ainda me perguntei: por que foi necessário que ela sofresse antes da sua partida, se era tão pura, tão inocente? E eu mesma me vejo pensando que se não tivesse havido sofrimento, dificilmente eu teria aceitado que era chegada a hora de deixá-la ir. Dificilmente eu a teria entregue com tanta suavidade e submissão a Deus e guardado a lembrança de sua partida como um momento de paz e descanso. Entendi também que ela foi poupada de muitos mais sofrimentos, adoecendo e partindo no mesmo dia
Dificilmente eu não teria me culpado, me perguntando se algo mais poderia ter sido feito. Mas ali eu sabia que tudo havia sido feito e que nada mais adiantaria. Era o seu momento de voltar para Deus. E me consolo pensando que não houve nenhuma dor que ela tenha passado que Jesus também não tenha sentido. Que assim como eu sofri vendo-a sofrer, Deus também sofreu miseravelmente vendo seu Filho sofrer barbaramente, física e emocionalmente, aqui nesta terra. E essa morte trouxe vida após a morte para a minha filha. É nisso que eu creio. Foi essa promessa que me fez andar pela fé durante toda essa dolorosa caminhada. Foi essa promessa que me fez enxergar vida e bênção no meio da doença e da morte.
Deus e ela esperaram pacientemente até que estivéssemos prontos para deixá-la ir.
Foi esse o fim da nossa história que lá em janeiro de 2010, eu comecei a contar aqui e disse que não sabia como terminaria, mas que confiaria que Deus estava conduzindo e fazendo algo grandioso. E Ele fez! Quantas coisas incríveis e maravilhosas eu pude contar a vocês aqui nestas páginas durante estes 2 anos e meio e ainda depois que ela partiu. Como a vida dessa pequena criança foi usada para tocar corações, para sacudir e quebrar paradigmas, para lembrar a tantas pessoas que existe um Deus que nos criou, que nos ama e que nos chamou à existência com um propósito. Sim, se Ele confiou uma missão e um sentido à vida de um pequeno feto malformado com apenas 12 semanas de gestação - um pequeno feto totalmente desprezado e humilhado por esse mundo, uma vida que tem sido tratada por muitos como nada e como lixo, mas que nós amamos e consideramos valiosa, preciosa, como cremos que somos considerados por Deus - Se Ele fez coisas grandiosas por meio dessa pequenina vida, não terá Ele também um sentido, um propósito e uma missão para cada um de nós, que fomos agraciados com o milagre de sermos formados perfeitamente? Se tivemos o privilégio de nos desenvolver a ponto de estar aqui diante da tela de um computador escrevendo, lendo, pensando, chorando? Certamente Ele tem páginas muito especiais a escrever para cada um de nós.
E foi assim que, contando a história de minha filha, eu encontrei a minha própria história. Buscando um sentido para sua vida eu encontrei sentido na minha. Descobri que podia reencontrar a paz após a notícia mais triste que poderia ter recebido, quando no início da uma gestação muito sonhada, ouvi que meu bebê tinha um problema muito grave e iria morrer. Quando parecia que nada mais faria sentido, nada mais voltaria a ter cor, luz e sentido em meus dias...
Apenas vivi um dia de cada vez, e no início de cada um destes dias pedi forças a Deus, e ajuda para enxergar com os olhos da alma aquilo que o coração e a razão nem sempre compreendiam. E o senti de forma intensa e real, a me dar a mão e percorrer junto comigo cada passo desta caminhada.
Entendi que o sentido precisava ser encontrado ao longo do caminho, e não no fim.
Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.
Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;
Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar;
Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora;
Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;
Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.Eclesiastes 3:1-8
Agradeço, agradeço e agradeço.
Por tudo que foi vivido.
Cada dia que você esteve aqui comigo,
em que você se deixou ser por mim amparada e cuidada.
Agradeço cada batida de seu pequeno coração neste mundo.
Agradeço o tempo que você ficou
e o tempo que você partiu.
Agradeço pelos dias de batalhas e lágrimas,
e pelos dias de riso e de paz.
Agradeço por ter sido guiada e instruída a te amar.
A respeitar sua vida,
e a respeitar a sua morte.
Agradeço, agradeço e agradeço.
Agradeço pelo seu descanso
e pela vida que ainda tenho a viver.
Sempre carregarei comigo a cicatriz da sua ausência,
mas essa será também a lembrança
de que essa vida é imperfeita, cheia de dores
mas única e bela,
e que precisa ser vivida
seja como for.
Que cada dia seja digno,
que cada dia seja único,
que cada dia seja sagrado,
que cada dia seja celebrado.
Agradeço o tempo de viver.
Agradeço, agradeço, agradeço.