Olá queridos amigos! Achei este post que estava parado e esquecido desde algum mês incerto do ano passado, nos rascunhos do blog. Acho que na época não soube bem como concluir. Hoje reli, gostei e decidi terminar estas reflexões e dividir com vocês. No fundo é a mesma história de sempre, a nossa história, (afinal qual mais seria?), mas tão boa de lembrar, contar, agradecer e reaprender.
Não tenho nenhuma citação para dividir hoje aqui, entre as fotos, somente gostaria de agradecer muito cada
comentário aqui deixado, todos sempre me emocionam e alegram, e fico muito feliz quando abro o blog e vejo que alguém deixou um recadinho mesmo não havendo novas postagens. Muito obrigada! Fiquem com Deus e ótimo final de semana!
Antes de nossa amada Vivi nascer eu pintei um quadrinho para ela, com seu nome, para colocar na porta do quarto da maternidade. Na verdade, ela nunca entrou por aquele quarto para ficar comigo. Nenhuma enfermeira a trouxe envolvida em uma mantinha para eu ali acalentá-la, para me ensinarem a trocá-la, dar-lhe banho ou amamentá-la. Havia um bercinho no quarto, mas ficou vazio. Acabamos usando-o para apoiar nossas bolsas.
Mas a pintura era a imagem de uma menina feliz e bonita - era assim que eu imaginava minha pequena menina. Mesmo que talvez ela não tivesse essa aparência exterior, queria pensar nela desta forma, queria pensar que em sua personalidade e sua alma ela era linda e feliz. Quem sabe um dia no céu eu a encontrasse assim, uma mocinha linda e feliz!
Estranhei que no corredor do quarto onde eu estava na maternidade, não havia outros enfeites nas portas, e desconfio que talvez minha médica tenha tido o cuidado de pedir que me colocassem distante dos quartos onde outras mães estavam com seus bebês, para não aumentar a dor da perda da minha filha, afinal, estávamos preparados para tudo, até mesmo para o fato de que ela poderia nascer já sem vida. Ou foi coincidência, não sei... De qualquer forma ela e todos os que me atenderam foram muito sensíveis, humanos e atenciosos.
Mas já que a menininha não podia ir até o quarto onde estava o quadrinho, o quadrinho foi até o quarto em que ela estava. Fiquei muito orgulhosa de deixar seu enfeite lá, não somente por um dia, mas por 5 meses, ao lado do bercinho em que ela estava no hospital. Para nossa surpresa ela veio para casa e o quadrinho veio junto. E continuou por mais 2 anos e um mês ao lado do seu berço, onde todas as noites ela dormia. Sim, a menininha veio para casa, depois de fazer uma cirurgia, mas era carequinha, com uns fiapinhos de cabelo espetadinhos crescendo ao redor de uma imensa cicatriz.
Mas após dois anos e meio, ou melhor, 916 dias, finalmente aquela previsão que um dia os médicos me deram aconteceu: minha filha morreria. Sim, eles estavam certos! Minha filha morreu! A previsão deles só sofreu um pequeníssimo atraso de 2 anos e meio. Ah, mas o que são dois anos e meio para uma mãe? Sim, ela tinha vida dentro do meu útero e por 2 anos e meio ela continuou viva, mesmo fora dele. Por si mesma ela respirou, seu coração bateu e uma grande sinfonia começou a ser executada, em meio a uma imensa complexidade de processos biológicos, produção de hormônios, enzimas, divisões celulares, tudo seguiu em frente como se estivesse sendo coordenado perfeitamente por uma orquestra que tem um bom maestro à sua frente. Ah, mas o que é a vida de um filho que nasce com grandes necessidades especiais? Vai ser um grande sofrimento, um peso para a vida toda e, provavelmente - sim, um dia alguém disse isso e todo mundo passou a repetir como bons papagaios bem treinados - provavelmente essa criança não sente nada! Não tem noção alguma de quem é, de quem são seus pais ou do que acontece ao seu redor. São tudo reflexos. Hum... interessante. Será que nossos bebês recém nascidos "normais", "perfeitos", "supersaudáveis", todos já nascem com uma consciência perfeitamente desenvolvida, cientes de quem são, quem são seu pai e sua mãe e tudo o mais? Ah, não? Um bebê age principalmente por reflexos? Sério? E ele vai aprendendo, interagindo com sua mãe, sua família, com o meio e com as pessoas ao seu redor? Hum...
Bem, aquela menininha que não sentia nada e era só reflexos começou, por meio dos seus reflexos, a nos dizer que apreciava muito quando era carregada no colo. Que apreciava muito estar em contato com o corpo e a pele da sua mãe e do seu pai, e isso a acalmava e fazia sua respiração melhorar. Que às vezes ela não queria virar de lado no berço e ela também não gostava de espirrar. Ela chorava! Ah, mas o que é um choro de criança para uma mãe? Um choro que vem de uma criança que nem deveria viver! Mas aquela menina também começou a sugar. Lá estava ela sugando a sonda desde seu primeiro dia de vida! E quando compramos sua primeira chupeta, mal cabia na sua boca e tínhamos que ficar segurando para não cair, mas ela amou! Quem sabe se alguém tentar lhe dar leite na mamadeira? E não é que a menina conseguia sugar, engolir e ainda respirar, e fazer uma coisa de cada vez sucessivamente de forma que tudo fosse para o lugar certo. Ah, mas o que é ver um filho sendo alimentado, para uma mãe? Um filho que faz tudo somente por reflexos e que nem vai viver muito tempo!
Bem, para mim estes foram alguns dos momentos mais lindos, únicos e inesquecíveis de minha vida.
E aquela criança começou a viver um minuto após o outro, um dia após o outro, uma semana após a outra, a tomar banho, abrir os olhos, mover braços e pernas, abrir e fechar a boca, soltar a voz de vez em quando, segurar nossas mãos e se abraçar ao nosso corpo quando a abraçávamos. Bem, tudo reflexo? Talvez. Mas aquela criança começou a mostrar que podia sentir dor e também sentir prazer, chorava e se esticava quando ouvia a voz da sua mãe. Estranhava se seus pais ficassem ausentes por muito tempo, se algum deles não chegasse durante a manhã na UTI, lá estava ela de olhos abertos e inquieta, até passava mal.
Apesar de os grandes cientistas, doutores, Phds, os mais renomados e conceituados médicos do país repetirem categoricamente que um bebê como minha filha não sente nada, que não tem cérebro, logo é puramente reflexos, e não precisa ser considerado um ser humano vivo, logo não precisa ser amado, protegido, respeitado e amparado, ao longo da sua vida e da sua morte, bem, a minha filha me mostrou o contrário. E a sua opinião e os seus sentimentos têm muito mais importância para mim do que o parecer de um médico renomado, conceituado, cientista, doutor, Phd, e qualquer outro título que me inventem para impressionar.
Geralmente a gente tem um script de como as coisas devem ser na nossa vida... geralmente a gente idealiza como será ter um filho, antes mesmo que ele seja gerado, ou enquanto o espera. Às vezes as pessoas idealizam mesmo, esperando que seja tudo perfeito como num conto de fadas. Outros são mais atentos para a realidade, sabem que nem tudo é fácil, que ter um filho implica em responsabilidades, desafios, sacrifício e muita entrega. Mas que mesmo assim é maravilhoso. E dentro de sua idealização conseguem prever dificuldades: um bebê que vai chorar de cólica à noite, pode ter brotoejas no calor, alergias, pode pegar uma infecção de ouvido ou outro problema qualquer de vez em quando.
Talvez essa criança tenha medo de ir para a escolinha no primeiro dia ou que tenha alguma dificuldade de aprendizado ou de comportamento. Talvez ela seja birrenta e se jogue no chão do shopping esperneando, querendo um brinquedo. Mas acreditamos que tudo será sempre dentro de uma normalidade e vai se resolver facilmente. Certamente haverá um livro falando a respeito, com algum especialista nos dizendo o que fazer. Certamente haverá alguém que já passou por isso e tirou de letra, nossas mães, nossas amigas mais velhas, uma mamãe blogueira famosa, ou quem sabe um médico saberá como resolver o problema.
É interessante que nem tudo na vida é assim. Talvez eu me arriscaria a dizer que nada na vida é assim. A vida não é perfeita e idealizada como imaginamos. Nem nossos filhos. Porque somos únicos, sempre teremos que escrever nossa própria história e por mais que haja milhares pessoas que viveram situações parecidas, teremos que encontrar o nosso caminho, aprendendo a lidar com os problemas que a vida nos apresenta. Aprendendo a criar e dar o nosso sentido e valor para tudo que é vivido.
Lembro quando a primeira médica nos informou que nosso bebê tinha um sério problema. Ela foi muito sensível e feliz em conseguir nos passar essa informação, e nos deixou claro que tínhamos uma escolha a fazer. Eu pensei que precisaria saber de minha filha se ela realmente não teria condições de viver. Se ela realmente queria abreviar o seu ou o meu sofrimento. Muitos médicos nos deram diversas opiniões, alguns de maneira muito infeliz, mas nenhum deles poderia substituir o direito que minha filha tinha de se manifestar e mostrar para que tinha vindo a esse mundo.
Sabendo que seu tempo poderia ser tão breve conosco, tivemos que aprender muitas coisas rapidamente. Tivemos que conversar com ela. Nossa primeira conversa séria de mãe para filha foi aos 3 meses e meio de gestação. Talvez não houvesse tempo de conversar mais no futuro. Tive que falar para ela sobre a vida, sobre doença e morte. Sobre escolhas da vida e sobre coisas que estão fora do nosso controle. Sobre fé, amor e esperança.
Sei que muitos adultos não se sentem à vontade em falar sobre determinados assuntos com as criança e às vezes preferem desconversar, dar desculpas, criar versões um pouco irreais... mas quando é sua filha que vai morrer? Quando é preciso falar sobre despedida aos 4 meses de gestação? Temos que falar e tentar tornar aquele momento especial, pois talvez sejam os nossos únicos momentos. Talvez por isso amadurecemos muito. Nove meses valeram mais que nove anos. Talvez mais que noventa anos.
Vitória e eu fomos nos tornando amigas e companheiras. Saíamos para passear, fazíamos as refeições juntas, eu lhe contava que estava lavando suas roupinhas, pintando seu enfeite de maternidade, me preparando para sua chegada. Até limpávamos a casa juntas, pois a situação não estava nem um pouco fácil e não havia como pagar alguém para isso. Muita coisa pôde ser vivida em 6 meses, em meio a alegrias, coisas engraçadas, momentos de choro e apreensão, até percebermos que éramos livres e podíamos sorrir e ser feliz. Dançar na chuva no meio da tempestade.
Mas chegou o momento de nascer e lhe falar novamente sobre as possibilidades: "Filha, amanhã você vai nascer. A médica vai abrir a barriga da mamãe e retirar você daí. Não sei o que acontecerá depois. Talvez Papai do Céu venha te buscar. Se isso acontecer, não tenha medo. Ela vai te tomar pela mão e te conduzir, te levar para o céu. Saiba que eu te amo muito, e que foi maravilhoso ser sua mãe, cuidar de você... um dia também vou partir, e então irei até você e poderei te dar um abraço bem, bem apertado.
Mas tenho pedido a Papai do Céu que deixe você ficar. Que cure o probleminha na sua cabeça, que faça um milagre. Ele ainda não me respondeu (pausa para respirar fundo). Se Ele deixar, e se você quiser ficar, saiba que eu estarei aqui pra cuidar de você. Eu te amo!"
E assim foi. Com seus reflexos, ela sempre me entendeu, me ouviu e respondeu. Com seus olhos, com seu corpo, com suas mãos ela falava e interagia. Eram reflexos? Sim, provavelmente. Reflexos de amor, reflexos de humanidade, reflexos de vida. Afinal, ela veio até nós para brilhar!
Ah, e que fim levou o quadrinho nessa história?? Bem, ele ainda está aqui em seu quarto, perto do seu berço e das muitas bonecas que guardam o local em que ela dormia. É sempre bom olhar para esse cantinho e lembrar da minha menina. Sim, pois no quadrinho está pintada uma menina que lembra bastante minha filha na idade que tinha quando partiu: cabelos dourados, fofinha, com duas chiquinhas e um sorriso lindo de menina feliz. Hum... Como eu um dia sonhei! ;-)