Os limites de um ser humano só podem ser determinados por ele próprio. A nós cabe apenas a responsabilidade de oferecer oportunidades. (Frase lida em uma exposição de crianças da APAE, sem menção do autor)
Queridos amigos e leitores,
Acabamos de chegar com nossa princesinha de Brasília, onde fomos acompanhar o início do Julgamento da ADPF 54 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54). Fomos a convite do Movimento Brasil sem Aborto, para apoiar a defesa da vida de crianças como nossa Vítória ainda durante a gestação - com malformação cerebral caracterizada como anencefalia.
Infelizmente essa ação argumenta que a criança com anencefalia é um natimorto cerebral sem quaisquer direitos, que a mãe corre grande risco de vida durante a gravidez e tem sua dignidade afrontada ao seguir com a gravidez de uma criança considerada incompatível com a vida, nestas condições. No caso de uma gestação como essa, pode-se descumprir o preceito fundamental, que é o direito à vida que esta criança tem, como o tem todos os cidadãos brasileiros, independente de raça, sexo ou opção sexual, idade, condição física ou financeira. Um bebê portador de anencefalia não será mais um cidadão pleno de direitos - não terá mais o seu direito à vida assegurado pela lei, pelo simples fato de que é inconveniente para a mãe e tem uma baixa expectativa de vida.
Como podemos comprovar com nossa própria experiência de vida que estes argumentos não são verdadeiros, achamos que tínhamos a responsabilidade de divulgar nossa história, ainda que isso nos custe em desgaste físico e exposição pública. Se a Vitória está aqui conosco, precisamos dizer isso às pessoas, especialmente para que esse fato chegue a outras mulheres que recebem o diagnóstico de acrania e anencefalia e são persuadidas a abortar - mediante uma fortíssima campanha abortista que existe entre a maioria dos profissionais da saúde, e que nós pudemos vivenciar bem de perto. Campanha esta que se intensificará ainda mais se esta ação por aprovada pelo STF.
Quanto à polêmica que se levantou sobre o diagnóstico da Vitória, isso já foi mencionado aqui no blog em outras ocasiões e foi esclarecido à mídia enquanto estávamos em Brasília - além de eu também ter explicado com bastante riqueza de detalhes a todos os jornalistas com quem tenho conversado por telefone - embora nem todos, talvez por razões de edição, tenham o cuidado de mencionar todos os fatos. Algumas vezes, talvez, todos os fatos confundam um pouco o que já está tão certo - bebês anencéfalos não merecem viver. Os exames dela também estão aqui todos guardados à disposição para comprovar.
A Vitória recebeu inicialmente na gestação o diagnóstico de acrania - essa palavra sempre esteve muito forte em nossa memória como a principal causa da sua malformação e é destacada no início desse blog. Fomos informados que a acrania levaria o nosso bebê a desenvolver anencefalia e morreria ao nascer. A Acrania é a causa de grande parte das anencefalias e conheço inúmeras mães que receberam o diagnóstico de acrania e posteriormente de anencefalia para seus bebês. Embora tenham tido dificuldade de confirmar a anencefalia total dela na gestação, ela foi tratada como anencéfala e fomos aconselhados fortemente a abortá-la em diversas ocasiões. Dei entrada na maternidade como uma gestante de 38 semanas esperando um bebê anencéfalo e na uti já esperavam por um bebê com anencefalia que viveria por poucas horas. O diagóstico de anencefalia consta da declaração nascido vivo dela do hospital São Luiz Itaim e durante os cinco meses em que ela esteve internada lá foi escrito em seu prontuário hipótese diagnóstica de anencefalia - isso certamente está arquivado no hospital. Nunca concordamos que a Vitória não tivesse nada de cérebro - e esse é o motivo pelo qual não costumo dizer que ela tem anencefalia mas sim uma malformação cerebral severa - porque esse diagnóstico vem carregado de grande preconceito e ignorância das pessoas e de muitos médicos.
Aos quatro meses ela fez uma ressonância magnética que tentou descrever sua condição como anencefalia incompleta - presença de tronco cerebral, cerebelo e diencéfalo, porém ausência de parênquima cerebral (córtex), o que caracterizaria a anencefalia. Então com quatro meses ela fez a cirurgia para fechamento do crânio que lhe possibilitou ter couro cabeludo e seus lindos cabelos dourados começaram a crescer, o que nos surpreendeu bastante.
O que expliquei a muitos jornalistas que estavam presentes em frente ao STF, é também o que os especialistas que defendem o direito à vida de todas as crianças também têm ressaltado, embora a mídia pouco se atenha a isso. A anencefalia admite vários graus, visto que é uma malformação, e a prova disso é que médico algum consegue prever exatamente quanto tempo cada criança irá viver - se todos os 9 meses da gestação, se alguns minutos ou horas após o parto, se poucos ou muitos dias, se meses ou, até mesmo, anos. Algumas crianças se mexem muito na gestação, outras menos, algumas conseguem respirar ao nascer, outras não, algumas conseguem mamar um pouco, outras não, e outras conseguem se alimentar normalmente pela boca. Algumas têm poucas respostas a estímulos, outras mais respostas, e isso torna o diagnóstico definitivo delicado especialmente em casos raros em que, contradizendo o esperado e descrito pela literatura médica, a criança apresenta condições de viver fora do útero.
A medicina, que geralmente é a favor do aborto de crianças com anencefalia e outras malformações incompatíveis com a vida (palavras que ouvi de um renomado especialista em medicina fetal durante a gestação, e que naturalmente estava tentando me convencer a abortar), declara que uma criança anencéfala é inconsciente e vegetativa, sem vontade própria e sentimentos, com base no que se conhece atualmente sobre o cérebro. Porém muitos pais que levam a termo um bebê com anencefalia apresentam, com base em sua própria vivência com a criança durante a gestação e nos momentos vividos com ela após o parto, que estas crianças respondem à voz, ao carinho, e são capazes de criar vínculos, manifestar vontades, entre outras reações que não parecem apenas reflexos totalmente involuntários do tronco cerebral.
Nossa Vitória não tem ausência total do encéfalo, isso é óbvio, assim como muitos bebês que vivem por alguns dias com anencefalia provavelmente também não têm, e mesmo os bebês que vivem somente o tempo da gestação possuem pelo menos o tronco encefálico - e por isso a palavra anencefalia é inadequada, na minha opinião, e abre margem para forte preconceito e desrespeito da sociedade.
Lanço aqui algumas perguntas que me instigam com base em tudo que tenho lido: se a Vitória não tem anencefalia, então por que tantos médicos orientam as mães a abortarem bebês com acrania pelo fato de que nascerão anencéfalos e morrerão? E por que tantos juízes autorizam o aborto de um bebê com acrania da mesma forma que a anencefalia? Então como o diagnóstico de anencefalia é 100% preciso durante o pré-natal, como os abortistas alegam? Então por que a anencefalia tem sido mostrada sempre como total e definitiva, sem esperança alguma, se ela admite graus?
Uma mensagem sensacionalista que circulou no Facebook dizia que a Vitória nasceu sem cérebro e é "ANACÉFALA", e instigava as pessoas a se manifestarem contra ou a favor à vida da Vitória. Uma mensagem extremamente desrespeitosa e que tem gerado inúmeros comentários ofensivos à nossa filha. Minha filha não nasceu sem cérebro, mas com ausência parcial do encéfalo, e recebeu o diagnóstico de acrania e aneNcefalia (destaque para o N que faltou na mensagem desse desconhecido). E nunca autorizei esta pessoa a circular essa mensagem de mau gosto por aí, motivo pelo qual peço aos nossos amigos, seguidores e leitores do blog que não a repassem.
Eu não estou aqui para "atirar pedras" nas mulheres que abortam, como certa vez uma leitora comentou. Jamais foi hostil ou ofensiva com qualquer mãe que tenham me confidenciado que abortou. Meu desejo é estender a mão e ajudar. Já recebi contato de várias mães me confidenciando que se arrependeram profundamente de terem abortado seus bebês diagnosticados com acrania e anencefalia, que se sentiram enganadas e pressionadas pelos médicos, que se tivessem recebido mais INFORMAÇÃO e APOIO, teriam feito diferente e dado oportunidade a seus filhos de nascerem. Onde estão, nestas circunstâncias, os direitos e o respeito à mulher, que têm sido tão reclamandos por aí? No engano e na pressão para rejeitarem seu bebê deficiente, para abrirem mão do pouco tempo que ainda terão com seu filho? Será que estas mulheres são realmente livres e esclarecidas?
Como já mencionei aqui em outra postagem, creio que toda a mulher tem o DIREITO de saber que espera um bebê (e não uma coisa ou um monstro), um ser humano com uma grave deficiência, mas que seu bebê pode ter sentimentos, que existem muitos casos de bebês que vivem dias, e alguns casos raros de sobrevivência por vários meses. Que A MAIORIA das mulheres que seguem a gestação adiante permanece totalmente saudável e continua saudável e apta a ter mais filhos após o parto. Que existem casos, em menor número, mais delicados com aumento de líquido, que podem ser controlados, mas que a mãe e o bebê terão todo o suporte e acompanhamento médico para que a mãe fique bem e o bebê seja tratado com dignidade ao nascer.
Que se ela quiser seguir adiante não será pressionada nem constrangida por ninguém. E não é isso que acontece em muitos, muitos, muitos casos dos quais tenho tido conhecimento.
E apesar disso tudo, a Vitoria está aqui, viva, com um diagnóstico de anencefalia, contradizendo esse próprio diagnóstico com a sua vida, com a sua história, e gerando polêmica - pela dificuldade de se aceitar que uma criança que vive, que come, que sorri, que se move, que reclama e que pode sentir prazer não tenha córtex cerebral. E que talvez muitas crianças com anencefalia possam sentir muita coisa ainda na barriga da mãe e suas mães são privadas dessa informação.
Se ela faz tudo isso com o tronco, com o cerebelo, se ela tem um pedacinho mínimo e irreconhecivel de córtex, se ela conseguiu se adaptar a usar estas estruturas encefálicas inferiores presentes para conseguir se comunicar conosco e para lutar pela vida - bem, isso não compete a mim descobrir - mas sim à esta Medicina que tem tantas vezes ignorado e desprezado a sua existência, e a de todos os outros bebês com acrania e anencefalia que ela está aqui representando por meio da sua vida.
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laudo de tomografia confirmando o polêmico diagnóstico de anencefalia |
A propósito, aos queridos leitores que desejam saber, a Vitória esta bem, graças a Deus! Um pouco cansadinha depois dessa aventura até Brasília, e hoje recebeu a última aplicação da amicacina para tratar a infecção urinária. (Ela fez muitas caretas para a enfermeira que deu as injeções!). Fomos muito bem recebidos em Brasília e ela foi super paparicada. Agradecemos imensamente à professora Lenise que nos convidou e a todos que nos acolheram tão carinhosamente por lá. Muito obrigada pelo lindo trabalho que vocês têm desempenhado em defesa da vida.