Queridos amigos e leitores,
Em relação ao último texto aqui publicado, sei que muitas questões polêmicas podem ser levantadas. Especialmente no nosso país em que a questão do aborto tem sido frequentemente lembrada e debatida. Nós sempre buscamos aqui celebrar e defender a vida. Fazemos isso com base na nossa própria experiência de vida, de termos nos deparado com um desafio imenso, com muitas dificuldades, com muitas opiniões e circunstâncias desfavoráveis, e termos optado pela vida da nossa filha por tanto tempo quanto fosse possível. Felizmente, sua vida se mostrou viável contra toda a expectativa, e nunca saberíamos que isso era possível se não tivéssemos sido "teimosos" e esperado.
Foi-me feita, no entanto, uma pergunta, por um leitor que preferiu não se identificar, trazendo uma questão importante, de que, na realidade brasileira, muitas mulheres não tem condições para encarar a criação de uma criança especial. Esta foi a pergunta:
Que conselho você daria, por exemplo, para uma gestante que espera um filho diagnosticado com o mesmo problema da Vitória, que precisa trabalhar para sobreviver, que tem outros filhos, que passa horas do seu dia somente em deslocamento, como no caso de uma cidade igual a SP? Como uma mulher, que tem que trabalhar para sua sobrevivência, e não tem um modelo de família tradicional, pode levar adiante uma gestação semelhante a sua e ainda dedicar atenção para atender todas as necessidade de uma criança como a Vitória? Neste caso, uma mulher que não dispõe de tempo e recursos financeiros deve se sentir culpada e assassina por não levar a gestação adiante?
É fato que essa realidade sem dúvida existe, e muitas pessoas têm estas mesmas indagações, apesar de nem sempre terem a mesma coragem de se expressar ou de se expor. É importante lembrar, porém, que o diagnóstico da Vitória, e sua história de vida, fogem dos padrões de qualquer outro tipo de deficiência, uma vez que a sua condição é considerada incompatível com a vida pela medicina e há raríssimos casos relatadas a respeito de como é a vida de uma criança nascida com acrania e que sobreviveu para receber tratamento e acompanhamento médico.
Mas esta pergunta me remeteu a muitos pensamentos e também sentimentos. Sentimentos porque, para mim, é impossível conseguir falar sobre uma criança com acrania sem pensar na minha própria filha. Sem pensar que poderia ter sido ela e não outra criança nesta situação de vulnerabilidade social. E que, em qualquer outra circunstância eu faria de tudo, o possível e o impossível, para tê-la comigo, e faria de tudo para ajudar qualquer outra pessoa a também lutar pela vida da sua "vitória". Por favor, não esperem de mim total isenção e abstração da minha experiêcia de vida. Busquei abaixo fazer um depoimento com base na minha experiência e no contato que já tive com outras histórias de vida. Com base no pouco que já tenho aprendido sobre o suporte oferecido pela sociedade a uma criança com deficiência. Certamente não desejo aqui esgotar esse assunto, e nem propor qualquer tipo de debate dos leitores a respeito, uma vez que é impossível que este tipo de debate ocorra aqui neste blog, embaixo da foto da Vitória, e em cima de toda a sua história de superação e luta pela vida.
Seguem algumas reflexões que tentam dar algumas respostas à questão levantada.
Infelizmente muitas pessoas que vivem no Brasil não têm encontrado a devida e merecida dignidade para viver. Isso é lamentável e profundamente revoltante, uma vez que, creio eu, o nosso maior problema não é a pobreza, e sim a corrupção, desigualdade e desorganização pública, tanto do governo quanto da sociedade civil (e nesta última nós cidadãos estamos incluídos). Lembro-me de uma frase que me tocou muito, dita por uma professora da faculdade de Jornalismo:
Quando uma mulher decide jogar no lixo um filho recém-nascido, é porque toda a sociedade lhe deu as costas, todas as possíveis instâncias da sociedade que poderiam ter lhe dado apoio para criar aquele filho falharam. Aquilo mexeu comigo e me fez refletir, pois nunca havia pensando neste aspecto. Imaginei uma mulher sozinha, sem dinheiro, sem família, sem amigos, abandonada por seu parceiro, à beira da loucura com um pequeno ser totalmente dependente nos braços andando a esmo por uma rua deserta numa noite fria. Talvez com fome. Como condená-la?
A pergunta certa não seria como condená-la, mas sim, como ajudá-la? Como lhe resgatar a dignidade, a auto-estima, a vontade de viver, de se gostar, a vontade de amar um filho, de lutar por ele?
Não penso que lhe pagar um aborto nove meses antes para que aquela criança não nascesse fosse a melhor solução para lhe devolver a dignidade. Existem inúmeras outras saídas, mas infelizmente o ser humano está habituado a procurar o caminho mais fácil, ainda que este caminho deixe marcas profundas na dignidade de uma mulher, na sua auto-estima, no seu coração. Não deve ser nada fácil para uma mulher decidir pela morte de um filho num momento de desespero, de pobreza, de miséria. Eu não a condeno. E nem teria esse direito.
No entanto, se tivesse a oportunidade de conversar antes, ainda durante a gravidez, algo poderia ser feito.
Ser mãe, em qualquer circunstância, é uma decisão de amor e sacrifício. É um ato de coragem e entrega. E ao mesmo tempo é a experiência mais recompensadora e maravilhosa que uma mulher pode viver, independende de sua religião, de sua condição financeira, do seu estado civil. Ficamos nove meses carregando um filho e nos preparando para uma mudança de vida, de prioridades, e até de valores. Buscamos ajuda, conversamos com outras mães, lemos livros, ouvimos palestras...
Como se planejar para o nascimento do bebê? Haverá condições para criá-lo? Onde encontrar ajuda, que tipo de ajuda pode-se encontrar junto ao governo ou a ONGs? Há alguma atividade rentável que possa ser aprendida e excercida em casa? Existe algum indício de depressão, que possa ser tratada? Se não há condições financeiras e emocionais, ela sabe que pode-se entregar a criança para adoção em vez de abortar? Existem inclusive famílias que optam pela adoção de crianças especiais.
Claro que cada uma destas alternativas não são fáceis, podem não dar certo, mas sei que existem milhares de histórias de vida, de mães que tiveram a coragem de lutar junto com seus filhos mesmo com poucos recursos, sem muito apoio. Como gostaria de dar voz a estas mães anônimas.
Já recebi muitos contatos de mães grávidas de bebês com acrania em busca de ajuda. Na maioria das vezes, elas já chegam com o coração decidido a ir em frente. Algumas, porém, expressam que estão em dúvida sobre o que fazer pelo grande sofrimento emocional que estão vivendo ao carregar um bebê que provavelmente não vai viver após nascer. Sempre tenho o cuidado de lhes mostrar que somente ela pode tomar essa decisão. Posso dividir minha experiência, posso lhe dizer o que me ajudou a tomar a minha decisão, que para mim já teria valido a pena mesmo se a Vitória não sobrevivesse, mas não posso tomar a decisão por ela. Nunca poderia fazer isso. Esta é uma responsabilidade que não cabe a mim.
Confesso que nunca me deparei com uma mãe em situação de grande vulnerabilidade social, que tem que trabalhar para sobreviver e para cuidar de vários filhos, que não conta com o apoio de uma família estruturada ou de um marido trabalhador, diante da difícil decisão de acolher um bebê deficiente. É preciso deixar claro aqui que o caso de acrania é diferente de um simples diagnóstico de uma criança deficiente. A acrania é considerada incompatível com a vida na maior parte dos casos, apesar de haver algumas exceções, entre elas a vida da Vitória. Mas se uma mãe no contexto acima mencionado me parasse na entrada da minha casa para me pedir ajuda, eu lhe diria o mesmo. Você precisa decidir. Não é fácil. É uma jornada de amor e sacrificio, de dor e espera. Só é possível seguir em frente com muito amor. Não há como saber o que vai acontecer. A maioria infelizmente não resiste ao nascer. Mas todas as mães que conheci dizem que valeu a pena amar até o fim. Converse com você mesma, com seu bebê, e peça a Deus para lhe mostrar o que fazer. Se você decidir seguir adiante, saiba que não está sozinha, conte comigo.
Já me ofereci para mais de uma mãe de criança especial para pedir doações pelo blog. Fazer uma campanha, entrar em contato com igrejas que destinam suas ofertas para pessoas necessitadas e não para templos luxuosos. Até hoje nenhuma mãe aceitou, disseram que não havia necessidade para tanto. Já divulguei para algumas mães sobre um auxílio que o governo dá para pessoas especiais, de um salário mínimo, para famílias de baixa renda. Nós mesmos aqui em São Paulo procuramos diversas ONGs para que a Vitória fizesse as terapias gratuitas (até hoje nunca pagamos nada particular para ela, pois não temos condição para tal, ela sempre é atendida pelo convênio ou pelo SUS). Recebi da AACD 3 páginas com nomes de ONGs que atendem gratuitamente crianças com deficiências na cidade de São Paulo e arredores. Estou em busca do serviço da Atende para a Vitória. O transporte público é gratuito para pessoas com deficiência em todo o Brasil, e na cidade de São Paulo há um serviço gratuito de boa qualidade, de porta-a-porta, para transporte de deficientes. Estou em busca desse serviço porque, apesar de ter carro, nem sempreconsigo uma pessoa para me ajudar quando saio com a Vitória, e lá vamos nós a pedir ajuda aqui e ali, pois não é seguro deixá-la sozinha na cadeirinha.
Se qualquer um de vocês viesse comigo e com a Vitória nas ONGs que frequentamos, como Lar Escola São Francisco, AACD, AVAPE, bem, seus corações ficariam, junto com o meu, pequeninos e apertados, e ainda admirados, ao ver tantas famílias simples, com poucos recursos, e com tanta dedicação por seus filhos especiais. Mães que levam seus filhos de ônibus, que levam a comidinha da criança com todo o zelo para alimentá-lo fora de casa, que movem mundos e fundos em busca de ajuda, de orientação, de apoio. Vemos pais, avós, irmãos mais velhos, amigos mobilizados em ajudar. Muitas vezes me senti constrangida ao chorar pelas minhas dificuldades que são tão pequenas perto das delas, ao ver crianças com desafios bem maiores que os da Vitória. Ela não nos dá trabalho algum! Não fica doente, não toma nenhum remédio, não tem alergia a nada, não tem convulsão, não usa gastrostomia para se alimentar... muitas vezes eu quase me pego achando que ela é uma criança normal, por mais absurdo que isso possa lhes parecer. Às vezes me pergunto se o melhor mesmo é a gente sair tanto de casa para ir em fisioterapia e no monte de médicos que a gente leva ela só para dizer que está tudo bem, ou que não tem o que fazer além de esperar e estimular.
Gostaria de pagar uma fisioterapeuta particular a domicílio, para não precisar sair de casa e cansá-la tanto, mas ainda não dá. Eu não sabia dirigir quando ela saiu do hospital, pedia ajuda cada dia para alguém levar a gente à fisio, entre amigos e parentes. Chorava toda vez que não tinha como levá-la, caso a carona tivesse um imprevisto e desmarcasse, até que um dia saí com ela no colo e fui pegar um ônibus. Foi uma aventura, mas foi incrível ver a solidariedade das pessoas, que davam lugar pra gente sentar, os cobradores que não me cobravam a passagem mesmo eu não tendo o bilhete especial. Bem, levei uma bronca do Marcelo que estava trabalhando e não tinha como me levar e nem ficou sabendo da minha aventura. Se você caísse com ela no colo? Não caio de jeito nenhum. Pela minha filha eu viro leõa, onça, ursa, canguru, qualquer coisa. Pela minha filha eu até aprendo a dirigir em São Paulo e pegar a 23 de maio. Difícil, trabalhoso, cansativo, sim. Mas quer saber: nunca fui tão feliz.
Com respeito a este blog, sim, ele tem uma causa. Essa causa não é uma causa anônima. Tem um nome. Tem um rosto, um endereço fixo, tem mãe e pai. Chama-se Vitória. Passamos a gestação da Vitória ouvindo que ela era incompatível com a vida e que seria o melhor antecipar o parto. Que ela se tornaria anencéfala e morreria imediatamente ao nascer. Eu correria muitos riscos. Seria muito perigoso e difícil. Não valia a pena o sacrifício. Engoli o choro ouvindo médicos especialistas em medicina fetal desmerecerem sua vida e tentando me persuadir a abortar. Mas minha gestação foi tranquila, não tive intercorrências, não houve riscos. Minha filha nasceu chorando, com apgar 7-8. Havia pedido para me mostrarem ela, mas a levaram direto para a UTI. Então tive medo de conhecê-la. Seria tão horrível assim? Ao conhecê-la, uma surpresa: ela era um bebê! Era minha filha. Eu a amava desde sempre e sempre estive certa em amá-la, pois era tão somente uma bebezinha, frágil, delicada, com um problema gravíssimo, mas, ainda assim, apenas uma criança. Não era um monstro, uma coisa, um vegetal, uma não-vida. Era vida sim, e se eu a tivesse expulsado de meu útero com 3 meses de gestação, sim, eu a teria matado.
Tivemos o grande privilégio de estar em um bom hospital, mas não foi pelo fato de termos uma condição financeira tranquila, pois na verdade, naquele momento estávamos enfrentando uma situação financeira extremamente delicada, com meu marido desempregado há seis meses, morando na casa da minha sogra há mais de um ano, ela também na época desempregada, a gente sem carro, economizando cada centavo possível. Nunca quis me utilizar deste espaço para expor nossas dificuldades, me lamentar, chorar as pitangas. O tempo sempre foi curto e sempre preferi utilizá-lo para falar de coisas boas. Posso dar mais detalhes desta situação em outro momento, mas o fato é que, situação financeira folgada nunca existiu. Tivemos que pedir muitos favores, correr atrás de ajuda, mandar carta para a antiga empresa que o Marcelo trabalhava para manter o convênio, correr atrás de ajuda em outras empresas caso na primeira eles negassem ajuda.
E mesmo em um bom hospital, num primeiro momento nada foi feito a não ser lhe colocar em uma incubadora com uma sonda para receber leite. Foi o que descobri depois ser uma conduta de espera (espera pela morte), afinal como ouvimos, ela era anencéfala, tudo que apresentava eram somente reflexos, não havia sentimentos, nem consciência de nada. Mas o que os olhos viam, o coração também sentia: víamos uma bebê que gostava de ficar no colo, que tinha posições preferidas para dormir, que chorava quando era puncionada e tentava se defender, ficava agitada quando tinha náuseas, e ao vomitar fazia de tudo para continuar respirando. Ela queria viver, e estava lutando para isso. Com dezesseis dias de vida uma médica disse que ela poderia estar anêmica e pediu um hemograma (o primeiro hemograma em 16 dias). Descobriram anemia e infecção. E então percebemos que os problemas que os médicos achavam que eram de causa neurológica, como os vômitos, o cansaço respiratório e cardíaco, estavam sendo causados pela infecção e não por incompetência cerebral. Mas ela esperou dezesseis dias. A gente não sabia o que fazer para ajudá-la. Fomos aprendendo, e os médicos também foram percebendo que valia a pena ajudá-la a viver.
Mas, se tão somente dinheiro fosse o único problema! Infelizmente, no caso de um diagnóstico como o da Vitória, é extremamente difícil o bebê sobreviver. Nunca tratei aqui de questões sociais, sobre como obter ajuda para criar um bebê como a Vitória, pois esse problema se torna secundário num caso como esse. O principal é ver se o bebê vai ter condições de viver para poder receber algum tipo de tratamento. E não há dinheiro algum, tratamento algum que dê condições a este bebê de conseguir respirar, de continuar com o coração batendo após deixar o ventre da sua mãe. O mais difícil é encontrar estrutura emocional para esperar sem saber o que vai acontecer. E é esse tipo de apoio que eu tento oferecer com esse blog. Não é nada fácil abrir sua caixa de e-mail e ler uma mensagem de uma mãe pedindo ajuda, com letras garrafais, meu bebê tem acrania, o que eu faço, estou desesperada. E ler, semana após semana, que os médicos continuam falando os mesmos absurdos, as mesmas palavras insensiveis e sem dó que nós ouvimos, não vale a pena, é melhor tirar, ele não vai sentir nada, posturas totalmente anti-éticas. Se existe alguém que não deve dizer para uma mãe o que fazer nesta situação, acho que é o médico, que não tem o direito de decidir por essa mãe.
Começamos este blog para contar para a família e para os amigos como a Vitória estava indo, já que era algo extraordinário ela estar com uma semana de vida. Com o tempo a história foi se espalhando e outras pessoas tomaram conhecimento do blog. Percebi como as pessoas não faziam ideia do que era aquele problema e de toda a barra que tínhamos enfrentado. Começaram a surgir famílias em busca de ajuda e informação. Algumas já estavam em processo de pedido de autorização para abortar, e balançaram ao saber da vida da Vitória. Pagamos um preço em nos expormos dessa forma na internet. Mas não me importo, pois o preço é muito pequeno em relação à grande alegria de poder ajudar outras pessoas.
Somente quando a Vitória tinha três meses de vida criei coragem para pesquisar sobre o problema dela na internet. Nunca havia feito isso na gravidez, pois não me sentia preparada para ler e ver tudo que existia a respeito. Sabia que encontraria muitos textos que, assim como muitos médicos, diriam que a vida do bebê não vale a pena o sacrifício e é melhor abortar. Se alguém tiver coragem e se sentir preparado para ver imagens muito fortes e tristes, faça uma pesquisa no google sobre imagens de acrania ou anencefalia. O que você vai ver na maioria são fetos abortados com poucos meses de gestação. Isso é certo para uma mãe que acabou de descobrir esse problema no seu bebê? Ver fetos abortados? Quem são estas crianças, elas tiveram um nome, por que não estão vestidas, por que não cobriram suas cabeças, por que não preservaram a dignidade do seu corpo já sem vida? Felizmente hoje, ao fazer essa pesquisa, uma mãe que está em dúvida sobre o que fazer vai ter a oportunidade de achar também uma foto da Vitória recém-nascida e ver como pode ser seu bebê ao nascer de 9 meses.
Um dia recebi um e-mail de uma mãe compartilhando que havia decido abortar ao descobrir que seu bebê era anencéfalo. Eu fiz isso porque os médicos me disseram que o bebê não sentia nada. Gostaria de ter tido a coragem que você teve. Todos os dias antes de dormir choro abraçando as roupinhas dele e peço a Deus que me perdoe.
Já ouvi mães contado que foram sedadas e impedidas de verem seus filhos, que não tiveram a oportunidade de conhecê-los, de lhes dar um beijo, se despedir antes da sua morte e do seu enterro. Há mães que não puderam carregar seu bebê ou tirar uma foto. Uma mãe que teve uma bebê com acrania me contou que não teve coragem de ir conhecê-la. Ela me disse que chora quase todos os dias e tenta imaginar como era o seu rosto, e ao ver uma foto da Vitória conseguiu finalmente dar um rosto a sua filha, imaginar como ela era.
Essa é a causa desse blog, dar um rosto, dar voz, dar dignidade a estes bebês que tem sido tratados frequentemente como não-vida, como não dignos de um nascimento e de uma morte natural.
Se uma mãe me pedisse ajuda, se deveria ou não carregar seu bebê com acrania até o fim da gravidez, em São Paulo, pobre, sem marido, eu não poderia lhe dar garantia alguma do que acontecerá, de que seu bebê irá aguentar para ela carregá-lo vivo nos braços para lhe dar um beijo, tirar uma foto ou dizer adeus. Eu não poderia lhe ajudar com muito dinheiro. Poderia talvez buscar junto com ela ajuda, acesso a atendimentos e informações. Mas eu poderia lhe ajudar com algo mais precioso que dinheiro. Poderia lhe dar informações verdadeiras e reais, de que o bebê que ela espera tem vida sim, tem sentimentos sim, e se ela interromper a gestação estará tirando sua vida sim. Julgá-la ou coagi-la com minhas opiniões pessoais, não. Poderia lhe dar meu apoio, meu abraço, meus ouvidos. Minhas palavras de coragem para amar e lutar. Coisas que dificilmente têm sido encontradas nas mais diversas instâncias da nossa sociedade atual.