O que torna alguém feliz?
Seria ter uma vida perfeita? E o que seria ter uma vida perfeita? É ter muita saúde, ter uma família linda e perfeita, ter muitos amigos, ter um trabalho perfeito, ter muito dinheiro para comprar tudo que se precisa e fazer tudo que se gosta, conseguir realizar todos os seus sonhos, sem problemas, sem dificuldades...
Bem, talvez em Marte isso seja possível, mas aqui na Terra, sabemos que ninguém é perfeito e nem tem uma vida perfeita. Então ninguém é feliz? Ou então não é preciso total perfeição para ser feliz? Talvez um pouco de perfeição? Ser perfeito, mas às vezes ficar doente? Mas o quão doente pode-se ficar para ainda assim ser feliz? Só ficar gripado? Uma vez por ano? Ter um trabalho legal, mas não ter muito dinheiro? Ou ter muito dinheiro com um trabalho chato? Mas se estivermos vivendo uma crise financeira, será que apenas ter um trabalho não nos deixaria feliz?
Até quantos problemas podemos ter para conseguirmos ser felizes? Um problema? Dois problemas? Meia dúzia? Com que idade podemos começar a ter problemas? Com 18 anos? Com 40 anos?
Ou será que podemos ser felizes tendo muitos problemas, mas conseguindo resolver todos? Ou conseguindo resolver alguns problemas? Ou será que podemos ser felizes apesar dos problemas? Isso já não seria uma solução?
Podemos ser felizes tendo problemas, mas tendo um casamento perfeito? Ou tendo filhos lindos e perfeitos? E se a pessoa não conseguir casar, ou se não conseguir ter filhos, será infeliz? Se a pessoa não conseguir trabalhar naquilo que mais gosta, será infeliz?
Será que é preciso ser perfeito, pelo menos fisicamente, para ser feliz?
Não, eu já vi pessoas perfeitas serem infelizes. Já vi pessoas perfeitas chorarem. Na verdade, às vezes as pessoas mais perfeitas podem ser as mais infelizes. Já vi pessoas perfeitas se matarem por não encontrarem sentido na vida, mesmo com toda a sua perfeição. O problema estaria fora delas? Já vi pessoas com muito dinheiro infelizes. Será que não tinham amigos? Ou não tinham saúde? E se de repente uma pessoa feliz perder os amigos, perder o trabalho, perder a saúde, perder a família, então, certamente será infeliz? Então a felicidade se constitui de um monte de pedacinhos de coisas boas e perfeitas? E se alguém perder só um desses pedaços de felicidade? Vai ser meio feliz? 80% feliz? 67,5% feliz?
Se ser perfeito não é garantia de ser feliz, então não ser perfeito é garantia de ser infeliz?
Quero dizer, se alguém nasce com um problema, será infeliz? Se alguém tiver um filho com problema, será infeliz? Se alguém ficar doente, será infeliz? Mas quão infeliz a pessoa será se for imperfeita? A quantidade da sua imperfeição? Se não tiver um braço, será 5% infeliz? Se não puder andar será 50% infeliz? Se não puder andar, falar e ver, será 100% infeliz? Se não puder também escrever e fazer contas de matemática, será 110% infeliz?
Mas e se a pessoa que não podia andar e era 50% infeliz, souber que há uma pessoa que não pode nem andar, nem falar, nem ver, será que sua infelicidade vai diminuir? Talvez ela passe a ser 30% infeliz porque descobriu que pode ser grata por falar e ver? E se a pessoa que era infeliz porque não tinha um bom trabalho, nem muito dinheiro, souber que há pessoas que não andam, não falam, não conseguem trabalhar, então ela pode se tornar, milagrosamente, de uma hora para outra, feliz?
Então será que ser feliz é ser melhor que os outros? É saber que há gente com mais problemas que a gente? A infelicidade dos outros vai nos ajudar a ser feliz? Que tipo de felicidade é essa?!
Por quanto tempo essa felicidade vai durar? Pelo tempo que a gente lembrar do problema dos outros? E se todo mundo ao nosso redor, de repente, passar a ter menos problemas que a gente, meu Deus, então seremos infelizes? Então nossa felicidade depende dos outros? Mas, o que aconteceu com a nossa independência?
Então, se existem tantas pessoas com muitos problemas físicos graves, porque as pessoas que quase não tem problemas desse tipo não são, todas elas, felizes?
E a pergunta que não quer calar e grita no meu coração: Por que há pessoas com muitos problemas que sorriem? Por que há pessoas com muitos problemas que não choram nem reclamam da vida? Elas não deveriam ser infelizes pela nossa lógica?
Por muito tempo eu pensei que sim. E por algum tempo eu segui essa lógica e não me senti totalmente feliz porque eu não tinha tudo que eu queria e não conseguia resolver todos os meus problemas.
Até surgir um pequeno problema. Esse problema tinha poucos milímetros. Chamava-se ausência da calota craniana. Ouvimos que ele se tornaria muito grande e se chamaria morte. E que a melhor forma de resolvê-lo era antecipando essa morte. Essa solução traria tristeza, mas, percebam, resolveria o problema maior. E evitaria que aquele problema trouxesse mais problemas. Com o tempo a tristeza passaria. E quem é que iria querer tantos problemas?
Mas, aquela não parecia bem uma solução. Pensamos que uma solução maior que a morte seria o amor. Talvez não resolvesse todo o problema. Mas poderia nos ajudar a ser felizes enquanto o problema existisse. E podia ajudar a curar a tristeza quando a morte chegasse. Mas a morte não chegou. E o amor aumentou. E também surgiram mais alguns problemas. Mas, foi incrível perceber como o amor tornava os problemas menores. E também foi incrível perceber como aqueles problemas nos ajudaram a enxergar tantas coisas boas. Nos ajudaram a nos tornarmos mais fortes, mais felizes porque percebemos quantas coisas boas existiam apesar dos nossos próprios problemas. E quando nos demos conta, éramos felizes!
E toda vez que eu percebia que era feliz apesar dos problemas, minha felicidade aumentava. Porque me dava conta de que estava sentindo uma felicidade tão intensa, tão genuína e verdadeira como eu nunca havia sentido antes. Uma felicidade que não dependia dos outros, que não vinha de fora, das circunstâncias, da ausência de problemas. Era uma felicidade que vinha do fundo do coração, que me tornava muito forte, mais forte do que todos aqueles pequenos problemas. Uma felicidade que vinha da certeza que estava dando o meu melhor, que estava vivendo exatamente aquilo que deveria estar vivendo, fazendo a coisa certa, no lugar certo. Que estava sendo quem deveria ser, e amando quem deveria amar. Com todo o meu coração.
O problema não diminuiu o amor, ao contrário, só aumentou. E apesar do problema, havia vida. Podíamos nos apegar à vida e não aos problemas. Demos à vida o nome de Vitória. E ela nos ensinou que nenhum problema seria grande o bastante para atrapalhar nossa felicidade enquanto existisse amor. Quando ela nasceu, eu chorei. Mas enquanto eu chorava, estranhamente, ainda assim eu sabia que seria mais feliz. Que aquelas lágrimas não estavam roubando a minha felicidade. Com ela eu decidi que seria feliz independente do presente ou do futuro. Não seria mais infeliz por tantas coisas que estavam fora do meu controle. Podia ser feliz com aquilo que estava recebendo da vida. Podia sorrir para para a vida, apesar dos meus problemas!
Essa é a minha história de problemas e felicidade.
Acredito que cada um precisa descobrir o seu jeito de resolver problemas. Nem sempre a minha solução será a sua. E nem sempre para resolver um problema é preciso fazer com que ele deixe de existir. Às vezes aceitá-lo seja a maior solução. Perceber como você pode se tornar mais forte por meio desse problema também é uma maravilhosa descoberta.
Existem problemas que nem são problemas de verdade. São só coisas que existem de forma diferente da que esperávamos, ou do que gostaríamos. Para alguns, o simples fato de ser diferente pode ser um problema. E pode ser um problema enorme e sem solução.
Tenho encontrado muitas pessoas assim. E é difícil conseguir entender bem o que se passa na cabeça delas. Qual é a matemática que lhes direciona a vida. Para alguns, parece que o mundo poderia ser dividido entre os perfeitos e felizes, versus imperfeitos e infelizes. Que concepção mais infeliz!
Às vezes estou passeando com a Vitória, e passear com ela me deixa MUITO FELIZ. De repente, alguém me aborda:
- Ela tem problema?
Com muita educação e carinho eu tento explicar: bem, na verdade ela é uma criança especial.
- Ah, pobrezinha, que judiação!
- Não, você não precisa ter pena não, ela é muito especial, é uma alegria nas nossas vidas.
Ainda com uma cara de pena HORRÍVEL, a pessoa tenta sorrir e ser simpática:
- Deus nunca dá uma cruz que você não possa carregar, não é?
- Bem, como eu lhe disse, ela é uma grande bênção, um presente maravilhoso de Deus que nos traz muita alegria. Ela é uma guerreira e nos ensinou a ser feliz!
- Puxa, que legal, como ela se chama?
-Vitória.
Com uma cara surpresa, a pessoa fala: - Que nome bonito! Então começa a perguntar outras coisas como que problemas ela tem, o quanto ela vai conseguir se desenvolver, etc. e fica boquiaberta ouvindo todos os desafios que ela já superou.
Diante de tais perguntas, eu fico me perguntando também muitas coisas. Por educação, sempre tento ser polida e não constranger a pessoa (apesar de me sentir muitas vezes constrangida!).
Quando alguém pergunta se ela tem problema, me questiono: você também não tem problemas? Ela é só um bebê, garanto que você tem muito mais problemas na vida do que ela!
Por que pobrezinha? Ela está sem comer? Está malvestida, com roupa rasgada para chamá-la de pobrezinha? Por que judiação? Ela está sendo torturada e maltratada?!
Outra coisa que me questiono é porque alguém sente pena de uma criança pelo simples fato de ela ser especial, se nem sabe exatamente que tipo de dificuldades ou limitações essa criança tem. Pelo simples fato de ela ser diferente? Pelo simples fato de supor que ela tenha limitações? Isso não seria PRECONCEITO? Isso mesmo, sentir pena é uma espécie de preconceito, uma vez que a pessoa não sabe direito nem do que ela sente pena. Sente pena da diferença! Não é uma coisa sem sentido?!
Entendo que algumas pessoas tenham curiosidade, mas quando tem uma dose de curiosidade um pouco acima da média, a ponto de ficarem olhando de forma totalmente constrangedora para uma pessoa especial, a curiosidade passa a ser falta de educação. Pode não ser preconceito, mas é muito desagradável. Vale alertar também que esticar demais o pescoço para ficar olhando pode render um belo de um torcicolo!
Algumas pessoas podem sentir pena porque veem que a pessoa com deficiência tem dificuldade para fazer certas coisas que para os outros não são difíceis. Alguns podem não conseguir andar, falar, comer, interagir ou compreender perfeitamente certas coisas.
Bem, e daí? Nenhum de nós, os “perfeitos”, tem dificuldades? Todos nós somos deficientes em alguma área da vida. Todos nós precisamos de ajuda para alguma coisa.
Alguns não sabem cozinhar, outros não sabem dirigir, alguns não entendem nada de política e economia, outros são uma negação para desenhar e fazer trabalhos manuais. Alguns são péssimos em português, outros tem dificuldade no raciocínio matemático. Alguns precisam de ajuda para instalar um chuveiro, ou não conseguem falar em público, tem dificuldade de localização geográfica, não tem boa coordenação para praticar esportes... Alguns podem ser muito inteligentes, mas tem dificuldades para falar de suas emoções. Alguns podem saber fazer tudo isso, mas ter dificuldade para amar, podem não saber perdoar Quem aqui é perfeito em tudo? Quem aqui é totalmente independente? Quem de nós não tem problemas?
Deus nos fez muito diferentes uns dos outros, e isso nos torna únicos e especiais. E isso faz com que precisemos uns dos outros e sejamos um pouco mais humildes para pedir ajuda e para compreender a dificuldade dos outros.
Vale também lembrar que para crianças especiais, nunca é uma palavra que evitamos no nosso vocabulário. Superação é a tônica da vida. A Vitória é uma criança e está em desenvolvimento. A cada semana percebemos mudanças, melhoras. Ela tem muitos desafios, é verdade, mas ninguém pode dizer que ela nunca vai fazer determinadas coisas, porque ela já derrubou muitos NUNCAS na vida dela. Ela não toma remédios, não sente nenhuma dor. E mesmo se tomasse, quantos adultos perfeitos vivem cheios de dor e se enchendo de remédios? Quantas crianças perfeitas ficam doentes? Mas nossa pequenina é muito forte e saudável. Ela precisa de alguns acompanhamentos especiais, e alguns podem pensar, que horror, como ela dá trabalho. E aí, não é verdade que todas as crianças dão trabalho? Ficam doentes, desobedecem, aprontam na escola, brigam com um amiguinho, tem medos, exigem muita paciência, muito amor, muita disciplina. Mesmo assim são motivo de tanta alegria. Assim também é nossa amada Vitória.
Para mim é uma grande honra cuidar de minha preciosa Vitória. Tenho muita fé e esperança que ela vai superar muitos dos seus desafios. Mas eu a amo hoje exatamente como ela é. Sou imensamente feliz por tudo que já vivemos juntas. De forma alguma penso que estou perdendo meu tempo cuidando dela. Sei que esta não é uma via de mão única. Eu recebo muito dela também. E vocês não imaginam como!
Muitas pessoas fazem inocentemente comentários que transparecem sua pena por nossa filha ser especial, e me deixam um pouco pensativa. Alguns comentam: vocês são tão jovens e enfrentando tudo isso! Me pergunto o que isso quer dizer: só os mais velhos deveriam enfrentar problemas? Deveria ter mais de trinta anos? Quarenta anos?!
Outra frase que já ouvi muito: Deus nunca dá uma cruz que você não possa carregar. Bem, acredito que muitas pessoas comentam isso com muito carinho e pensando em nos consolar... Já ouvi também muitas mães dizerem isso sobre seus próprios filhos que estavam enfrentando algum problema sério de saúde... mas pessoalmente não gosto muito dessa frase.
Para mim, é como se estivessem dizendo que minha filha é uma cruz porque ela é diferente!
Cruz é algo pesado e difícil de carregar. Jesus carregou uma cruz que representava nossos pecados, que representava a morte. Como você se sentiria se eu chamasse seu filho de cruz? Como você acha que uma criança se sentiria ao ouvir que a consideram uma cruz para seus pais?
Minha filha é uma grande alegria! Não estou carregando ela nas costas em direção a um calvário, para morrer. Jesus já fez isso por mim. Estou carregando ela em meus braços para a vida! Vida aqui na terra e creio com todo meu coração, para vida eterna em Cristo.
Muitos não fazem ideia do quão maravilhoso é senti-la me abraçar, encostar sua cabeça em meu peito e ficar bem calminha. O quão maravilhoso é vê-la acordar e se espreguiçar toda, tão delicadamente. O quão delicioso é beijar seus cabelos perfumados e suas bochechas macias. O quanto lavo minha alma vendo-a sorrir na hora do banho, até fazer um monte de covinhas nas bochechas. E quão felizes ficamos a cada vitória, a cada superação dela, a cada novo movimento que ela consegue. Sinto-me muito realizada, muito privilegiada. A vida nunca mais foi medíocre, foi chata ou sem graça. A vida é uma grande emoção, cheia de desafios, cheia de superações, cheia de felicidade!
Com a Vitória aprendemos a viver e a ser feliz.
Somos muito mais do que nossas limitações ou capacidades. Por isso podemos ser felizes independente de nossas imperfeições. Podemos realizar muitos sonhos apesar de nossas limitações. Se em algum momento a vida nos mostrar que alguns sonhos não poderão ser realizados, é hora de ter novos sonhos. Não é preciso deixar de sonhar!
Hoje acredito que ser feliz está muito relacionado a cumprirmos o propósito para o qual existimos, a sermos quem devemos ser, cumprirmos nossa missão, e isso está muito relacionado ao nosso Criador, aquele que nos chamou à existência. Acredito que Deus sabe muitas vezes melhor do que nós mesmos como podemos ser felizes, mesmo que por caminhos que a gente às vezes nem imagine! Cumprirmos o propósito para o qual fomos criados, descobrirmos nossos melhores talentos e usarmos eles para sermos felizes e ajudarmos os outros a serem felizes. Isso é mais do que simplesmente ser cristão, ser religioso, frequentar uma igreja. Infelimente há muitas pessoas "religiosas" ainda assim infelizes. É claro que não é a religião em si que as torna infelizes, mas talvez achar que apenas isso é tudo que Deus sonhou para sua vida. Ser feliz também não tem mais a ver com tantas coisas materiais e passageiras com as quais as pessoas gastam tanto tempo se preocupando, achando que estão quase alcançando a felicidade.
Hoje, quando vejo uma pessoa deficiente, não sinto mais pena. Sinto admiração. Sei que aquela pessoa lutou muito para chegar aonde chegou, por estar viva. Sei que é uma vencedora. Assim que nossa sociedade deveria ver os deficientes, e não com pena. Porque temos muito a aprender com eles. Deficiência não é problema. Em muitos casos pode ser a solução para a gente aprender a criar menos problemas na nossa vida!
Preconceito, sim, é um grande problema. Mas nós já aprendemos a ser felizes apesar dos problemas! Enquanto isso, assim como lutamos bravamente pela superação dos nossos próprios desafios, também acreditamos que uma postagem pode ajudar a mudar o mundo.