Foi mais ou menos no final de maio do ano passado. Estava sozinha em casa trabalhando num projeto de pintura em madeira com motivos infantis. Estava absorta misturando cores, testando os diferentes tamanhos de pincéis recém comprados, procurando a melhor forma de fazer olhos em um elefante. Ao mesmo tempo pensava na vida e a minha mente voava para muito além daquela bagunça colorida. Havia pedido demissão do meu trabalho recentemente. Desejava me realizar como artista plástica. Estava fazendo uma nova faculdade. Queria ter filhos. Mas, em meio a tudo isso, sofria tentando me encontrar. Sentia-me frágil, emotiva, desejando mais sentindo em tudo isso que sonhava. Sentia falta de andar mais perto de Deus. Como eu o amava e queria deixá-lo participar mais de todos estes sonhos. Não deixá-lo à margem em meio a um monte de compromissos, mas trazê-lo para o centro da minha vida. Deus deve ser muito mais do que tudo isso que tenho ouvido e visto. Muito mais real. O que esperar da vida além de todas estas conquistas que todo mundo vive correndo atrás?
Um elefante de cílios. Diluo bem a cor preta na água para não borrar. Somente um movimento quase imperceptível com o pulso e todo o resto do corpo imóvel. Prendo a respiração para conseguir traçar uma linha bem fina, curva e harmoniosa. Ufa. A primeira tentativa deu certo. Agora a segunda. Estou tão concentrada que não respiro. Trrrriiiiiiiimmmm. Que susto! De repente o telefone toca. Largo tudo e num pulo saio correndo para atender, um pouco contrariada. Quem vem me atrapalhar uma hora dessas?
Alô? Uma moça simpática me dá boa tarde do outro lado da linha, se apresenta e diz que está ligando para as pessoas para ler a Bíblia. Por uma fração de segundos penso arrogantemente em agradecer-lhe dizendo que já sou cristã e estou um pouco ocupada fazendo cílios em um elefante. Mas imediatamente mudo de ideia e respondo que claro, posso ouvi-la. Ela diz que lerá Números 23:19.
“Deus não é homem para que minta, nem filho de homem para que se arrependa. Acaso ele fala, e deixa de agir? Acaso promete, e deixa de cumprir?”
Ela começou a explicar que Deus deixou muitas promessas para nós na Bíblia, como uma nova vida sem dor, sem doença e sem morte. Você crê nestas promessas de Deus? Enquanto a ouvia, percebi que por trás daquela moça que eu nem conhecia, que nem sabia de que igreja era e como havia conseguido meu telefone, era Deus que estava falando comigo. Eu disse-lhe que cria sim, comentei que também era cristã e agradeci-lhe, dizendo que não lembrava daquele versículo, que era muito bonito e havia me tocado bastante. Ela foi breve e ficou de retornar outro dia para conversar comigo novamente. Desliguei o telefone com lágrimas nos olhos. Não é todo dia que recebemos um telefonema de Deus. Tive a certeza que Ele havia falado comigo. Ele queria que eu me aproximasse dEle, que confiasse mais nEle. Me ajoelhei em frente ao sofá comecei a chorar. Agradeci-lhe por falar comigo. Por estar próximo. Mas sobre que promessa será que Ele estava falando? Não sabia direito, mas tive a sensação que deveria guardar aquele versículo bem guardado no meu coração.
Uma semana depois, após ter alguns sangramentos, eu descobri que estava grávida de 6 semanas, que quase havia sofrido um aborto espontâneo devido a um descolamento no saco gestacional e que deveria manter repouso. Foram dias de muita apreensão e ansiedade. Mas lá estavam aquelas palavras ecoando nos meus pensamentos:
“Deus não é homem para que minta....” E seis semanas depois de descobrir que estava grávida recebi o diagnóstico de acrania para meu bebê. Ele não tinha a calota craniana. “O cérebro é um órgão muito nobre para ficar desprotegido. Vai virar anencefalia”.
“Nem filho de homem para que se arrependa...” Algumas crianças nem resistem até o final da gravidez. Quando ele nascer ele vai morrer.
“Acaso ele fala, e deixa de agir?” Você também pode fazer um aborto.
“Acaso promete, e deixa de cumprir?”
Uma sensação de esmagamento. Sonhos esmagados e desfacelados juntamente com um cérebro exposto se deteriorando em contato com o líquido. Mas Deus não pode fazer um milagre? Será que eu ainda posso me considerar grávida? Será que ainda posso dizer que vou ser mamãe? Será que o bebê sente dor? Como vou dizer isso para as pessoas? Quando vou poder engravidar novamente?
“Deus não é homem para que minta...” “Estamos de mãos atadas. Infelizmente esse diagnóstico não vai mudar.
“Acaso ele fala, e deixa de agir?” “Sinto muito. Não há o que fazer.” Mas Deus não pode fazer um milagre?
Estávamos num terreno desconhecido onde parecia que nossos pés se afundavam a cada passo que tentávamos dar cambaleando. Faltava-nos força. Dava um passo e parava imobilizada pela dor. Lágrimas e vontade de sumir. Quem sabe quando eu acordar não vou ver que tudo foi um pesadelo?
Mas Deus pode fazer milagres! Jesus ainda vive e Deus ainda é o mesmo.
Mas agora assim diz o Senhor, aquele que o criou, ó Jacó, aquele que o formou, ó Israel. “Não tema, pois eu o resgatei; eu o chamei pelo nome, você é meu. Quando você atravessar as águas, eu estarei com você; quando você atravessar os rios, eles não o encobrirão. Quando você andar através do fogo, não se queimará, as chamas não o deixarão em brasas. Visto que você é precioso e honrado à minha vista, e porque eu o amo, darei homens em seu lugar, e nações em troca de sua vida.” Isaías 43:1-2; 4
Não importa o que acontecer, não estamos sozinhos. Posso não sentir a presença sobrenatural de Deus a todo momento, como raios flamejantes envoltos em névoa ofuscando meus olhos. Posso nunca ter sentido isso na verdade. Mas Ele deixou algo melhor do que efeitos especiais. Deixou promessas eternas. “Digo-lhes a verdade: enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra” (Mateus 5:18). Preciso romper em fé.
Tive alguns sonhos muito especiais que me ajudaram a me sentir mais perto de Deus. Algumas pessoas vieram nos trazer palavras animadoras e cheias de fé em um milagre. Mas eu precisava ouvir de Deus o que fazer. Gostaria muito de ouvir o que Ele ia fazer para ficar mais tranquila. Mas Deus às vezes gosta de tornar nossa vida num verdadeiro filme de suspense. Ele é daqueles amigos que não contam o final do filme quando este mal começou. É daqueles que, quando perguntamos morrendo de curiosidade o que vai acontecer no final, simplesmente diz: “Essa parte não é muito legal, mas vale a pena assistir até o fim, porque, olha, o final vai ser demais...” e faz um silêncio que deixa a gente morrendo de raiva de tanta curiosidade.
Foi assim que nos sentimos durante a gestação da Vitória. Mas ela vai ser curada? Mas ela vai sobreviver? Então ela não vai sobreviver? Deus nos disse simplesmente que deveríamos andar sobre as águas, me mostrando essa passagem da Bíblia:
Tendo despedido a multidão, Jesus subiu sozinho a um monte para orar. Ao anoitecer, ele estava ali sozinho, mas o barco já estava a considerável distância da terra, fustigado pelas ondas, porque o vento soprava contra ele. Alta madrugada, Jesus dirigiu-se a eles, andando sobre o mar. Quando o viram andando sobre o mar, ficaram aterrorizados e disseram: “É um fantasma!” E gritaram de medo. Mas Jesus imediatamente lhes disse: “Coragem! Sou eu. Não tenham medo!” “Senhor”, disse Pedro: “se és tu, manda-me ir ao teu encontro por sobre as águas”. “Venha”, respondeu ele. Então Pedro saiu do barco, andou sobre as águas e foi na direção de Jesus. Mas, quando reparou no vento, ficou com medo e, começando a afundar, gritou: “Senhor, salva-me!” Imediatamente Jesus estendeu a mão e o segurou. E disse: “Homem de pequena fé, por que você duvidou?” Quando entraram no barco, o vento cessou. Então os que estavam no barco o adoraram, dizendo: ”Verdadeiramente tu és o Filho de Deus”. Mateus 14:23-33
Andar sobre as águas é andar sobre as promessas de Deus. Não há nada em que possamos apoiar nossa fé a não ser em suas promessas. Não há terra firme, não há ninguém que possa nos dar garantias. Não há evidências nem palavras de pessoas. Andar sobre as águas é olhar para Jesus e deixar que suas palavras nos ajudem a sair do barco e ir em frente. E deixar que Ele nos segure se começamos a afundar dominados pelo medo. Sentimos que não tínhamos outra alternativa. Ou ficávamos imobilizados dentro de um barco que estava sendo fustigado pela tempestade, ou rompíamos em fé. Não há como fazer isso sem Jesus. Não conheço ninguém que o tenha feito.
E assim percorremos os seis meses restantes de gravidez flutuando suavemente sobre as águas da fé. De vez em havia um solavanco, quando olhávamos para os lados e percebíamos que estávamos vivendo uma tremenda loucura, que não tínhamos qualquer apoio sob os nossos pés, e começávamos a afundar (glub, glub...) Então, como Pedro, gritávamos: “Senhor, salva-me!” E lá vinha Jesus pacientemente nos dar a mão e nos conduzir novamente às águas tranquilas da sua presença.
Durante a internação da Vitória, lá estávamos nós andando sobre as águas. De vez em quando revejo as fotos daquela época, e vejo um casal sorrindo em meio a um monte de fios e aparelhos, segurando uma criança com a cabeça enfaixada para proteger seu cérebro. Vejo-nos felizes com uma criança que todo mês ouvíamos que podia estar morrendo. Que diziam que não tinha consciência, nem sensações, nem condições de crescer. Vejo uma bebezinha com um diagnóstico incompatível com a vida e com prognóstico péssimo corada e dormindo tranquilamente com o rosto entre as mãozinhas. Eu forço um pouco os olhos e consigo ver algo mais. Eu vejo Jesus ali do nosso lado segurando firme as nossas mãos.
Muito obrigada, Senhor, por estes oito meses de vida da Vitória. Obrigada por nos sustentar. Sem o Senhor nunca teríamos dado um passo sequer. Obrigada por sempre nos ouvir quando gritamos por socorro. Obrigada por nos estender a mão todas as inúmeras vezes que afundamos. Muito obrigada pela vida da Vitória. Sem o Senhor ela não estaria conosco. Glórias a Ti, Jesus, pela Vitória de Cristo.
“O Senhor é o meu pastor; de nada terei falta. Em verdes pastagens em faz repousar e me conduz a águas tranquilas. Restaura-me o vigor. Guia-me nas veredas da justiça por amor do seu nome. Mesmo quando eu andar por um vale de trevas e morte, não temerei perigo algum, pois tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me protegem. Sei que a bondade e a fidelidade me acompanharão todos os dias da minha vida, e voltarei à casa do Senhor enquanto eu viver”. Salmo 23:1-4; 6